Jose Fernando Pinto

Eu já não sou rio

Eu já não sorrio como antigamente, já não sou rio, já não sou mar, talvez não seja boa companhia, talvez nunca tenha sido um bom lugar, se eu não sorrio, se às vezes me sinto vazio, pode ser que a vida tenha tirado de mim um pouco dos sonhos, a minha capacidade de sonhar.

 

Eu já não sorrio como antigamente, já não sou rio, já não sou mar, talvez seja apenas um olhar vazio, ou quem sabe um breve arrepio nas vezes que ousei arriscar. Se já não sorrio, não enxergo o mesmo horizonte, sozinho já não sou mais ponte e o velho caminho talvez não vá encontrar.

 

Eu já não sorrio como antigamente, já não sou rio, já não sou mar, já não tenho o mesmo alvedrio, que um dia menino desenhava o destino em todo e qualquer lugar. Se já não sorrio, talvez não encontre a esperança, o desejo criança que ainda insiste gritar, um grito que nasce na alma, que pulsa o coração, transforma o medo em canção e não aceita se entregar.

 

Eu já não sorrio como antigamente, já não sou rio, já não sou mar, mas posso ser o vento da tarde, que passeia entre as folhas sem alarde, viaja entre as flores, dissipa suas dores até a primavera chegar. Eu já não sou rio, não sou mar, mas posso ainda ser flecha, palavras que voam, encantam, perdoam, fazem o outro pensar.

 

Eu já não sorrio como antigamente, já não sou rio, já não sou mar, mas posso ser passarinho, deixar o meu ninho e o mundo sobrevoar. Posso ser beija flor, bem te vi, canário, andorinha ou colibri, o importante é voar, transbordar fantasia, fazer da poesia o meu lugar pra pousar, se já não sou rio, sou uma gota d’água no oceano e posso em chuva me transformar.

 

Jose Fernando Pinto