Carlos Tavares

Viver é a véspera da despedida

Um dia, à soleira da porta

esperando o café

quentinho que

mãe fazia de coador

sob a luz morninha

da manhã preguiçosa

eu menino imaginava

tantas muitas aventuras

com o meu vira-lata fiel

transformando em coliseu

as terras do meu quintal

 

enquanto eu sondava improvisos

(sem fogo nem canivete

porque mãe advertia)

das tralhas rejeitadas

como aros não raiados

 

por onde meu cão saltaria

em voos desajeitados

em resgate de bola ou bastão

 

já tecia insidioso o destino

uma trama à revelia

 

Manhãs algumas depois

No saco que o destino teceu

Meu cão se foi para sempre

E toda a graça do meu coliseu

 

As tardes solitárias então

velaram em silêncio doído

as tralhas não despedidas

a bola surrada do cão, os aros

de bicicletas e todo mistério

escondido nas terras do meu quintal

 

o sol já não alcança a soleira

morreu em alguma manhã tardia

sob as sombras erigidas

mas o menino aprendeu

entre aquele café e a morte do cão

que viver é a véspera

das despedidas...