Nelson de Medeiros

A PESTE NOS REINOS


A PESTE NOS REINOS 

     Conta uma lenda que há milhares de anos existiam na terra vários reinos governados por monarcas das mais variadas personalidades. Uns governavam com mão de ferro e outros com benevolência. Dentre esses havia um reino chamado Reino da Paz, e, cujo rei era extremamente generoso com seus súditos, e, o povaréu nisso cria e viviam em perfeita harmonia. Não havia guerras, preconceitos, e ninguém invejava ninguém. Gabava-se o povo de sua hospitalidade e sua tolerância. O monarca era religioso, respeitava seus deuses e, atento à espiritualidade que possuía jamais praticara qualquer ato que pudesse prejudicar sua gente.

     Nunca deixava de consultar seus conselheiros antes de tomar decisões importantes. Seu império seguia, assim em constante progresso.

     Mas, um dia o terror começou a grassar por aquelas terras atingindo indiscriminadamente todos os outros reinos. Era a Peste que chegara ceifando vidas e estabelecendo a discórdia geral. Nada a detinha, e, rapidamente as notícias chegaram ao império real da Paz. Aproximava-se rapidamente daqueles domínios onde o respeito ao próximo predominava.
 
  O monarca, então, tomando ciência da devastação, da balbúrdia e da morte que ocorria nos demais reinos, cioso das responsabilidades que tinha com seu povo, consultou seus colaboradores que, adstritos também à ciência e sua fé chegaram à conclusão de que o rei deveria enfrentar a Peste frente a frente. Então, ele resolveu buscar o mal pessoalmente a fim de dialogar com ele.

     Pondo-se a caminho prenhe de coragem logo encontrou a Peste que já beirava suas fronteiras. Tratando-a com respeito e prudência explicou-lhe como era sua gente e como governava seus súditos. Pediu, então, com humildade que ela os livrasse de sucumbir ante suas garras. Que ela atingisse somente à minoria, se não tivesse outro jeito.  A Peste comoveu-se e concordou, dizendo que passaria brandamente e somente levaria os poucos que estavam em sua lista, pois que estes já eram predestinados. E, seguiu em frente.

     Quando ela se foi o monarca, acabrunhado e desiludido, verificou que metade de sua gente havia morrido. Não entendendo o que ocorrera buscou novamente a Peste e indagou-lhe o porquê do não cumprimento da promessa que lhe fizera.
A Peste, então, olhou para o rei e lhe disse: “Eu cumpri minha promessa; só matei os da minha lista, os outros morreram de medo”... E prosseguiu em seu caminho infinito.

      A roda do tempo girou e um dia chegou, finalmente, a outro reino cuja alegria de sua gente, que se dizia, povo escolhido de Deus, pois que seus habitantes eram bondosos, e. democráticos, embora tudo ali se pudesse. Muitas regras e pouco cumprimento delas, liberdade total. Mas, o povo até que era bem acolhedor e isto, parecia dar- lhes garantias e imunidades de males que tais.

     No Reino Tupiniquim, pois que assim se chamava esse Reino, seu monarca tudo sabia tudo conhecia, e, o povaréu acreditava nele, fosse o que fosse, dissesse o que dissesse. Pequena parte, mas que era grande parte, diga-se a bem da verdade, seguia-o sem mesmo saber o que de fato se passava em sua cabeça complicada. a qual se dizia à boca pequena, era doentia.  Afinal ele queria ser o um rei bondoso e sabichão.  Sua meta, embora o pequeno rebanho de fanáticos que o seguiam não sabia, era o poder absoluto, e, para atingir seu objetivo não importavam os meios usados.

     A peste, entretanto, que não distinguia reinos e se aproximava vagarosamente deixando para trás um rastro de morte, pois que vinha dizimando outros impérios impiedosamente. O monarca do Reino Tupiniquim, então, atleta destemido como se julgava pensava ser detentor  de todo o conhecimento do mundo, e, até da eternidade, pois que doença nenhuma lhe afetaria.

     Como se gabava também de conhecer medicina e até alquimia, enérgico, sem costume de ser contrariado, ao invés de ir ao encontra dela, esperou que a Peste chegasse a sua casa para impor-lhe sua vontade sem dar ouvidos a seus conselheiros mais sábios.  Ela não poderia dizimar seu reino de forma alguma, e, sozinho com sua arenga retrógada resolveria a questão. Julgava-se astucioso e prá tudo tinha sua solução, imitando, sem saber - ou não - antigo “Führer” que devastara sua própria gente, megalomaníaco que também era. Para não ser deselegante, como ele, digamos que era o “Chapolim Colorado” da série do Chaves. Na verdade, um impávido parvo, que tal qual um D. Quixote, lutava contra todo o imaginário possível.  

     Finalmente ela aportou em suas terras. Sem tomar conhecimento o rei, em sua usual coprolalia  passou a menosprezar a Peste, que denominara de “pestinha”.  Afirmava que ela iria passar ao largo de suas terras e não atingiria nenhum de seus súditos. Afinal ele era o dono do país, era sua própria lei, o próprio Estado, reencarnação, talvez, do monarca francês Luís XIV, que viveu no século XVII, e se denominava o Rei Sol, sendo sua a famosa frase “Je suis la Loi, Je suis l\'Etat; l\'Etat c\'est moi\". Sua imperiosa palavra tinha que valer para tudo e para todos.

      A peste então o olhando e constatando a sua boçalidade e o seu despreparo para comandar qualquer reino, com pena do povo sofrido mandou-lhe uma mensagem informando que nada podia fazer, pois teria que chegar até lá, mas, que, entretanto demoraria algum tempo até sua chegada e, que ele, como comandante supremo do Reino tomasse providências com antecedência o que evitaria a desgraça total.  Disse-lhe, ainda, que se agisse assim somente ceifaria as vidas dos que constavam de sua lista, nada mais.

     Mas, o inculto soberano ignorou o  recado.
O monarca, em sua idiotia, achou que a Peste havia ficado receosa de sua tirania e imposição, e, nada fez, na crença bizarra de que tudo não passaria de um simples piolho que ele mataria a dedo. Aguardou que ela passasse por seu reino sentando em seu cercadinho, rodeado de ignotos como ele, sem nada fazer.

     Então, a Peste finalmente começou a devastar o Reino Tupiniquim passando a dizimar os súditos de seu reino, arrasando por completo toda a sua terra implantando, via de consequência, a balbúrdia, a desconfiança em todos e permitindo que os novos velhos ladrões se aproveitassem na situação tenebrosa para encher as burras de seus cofres.
Indignado em seus brios, e, já receoso da revolta de sua gente procurou-a para lhe cobrar a desobediência que, na cabeça estouvada dele, fora desrespeitada.

     A Peste lhe fixou os olhos e  disse. “Segui minha lista, os outros morreram de obtusidade.” E se foi prometendo voltar, um dia esperando encontrar outro rei.


 
 
 Nelson de Medeiros