Naquele dia o velório estava cheio
Era querido! O defunto era querido!
Eu tinha um vezo: visitar o luto alheio
Ladrão de tumbas me taxava o apelido!
Eu percorria o salão emocionado
Já ansiando ir à caça do tesouro
Com o coveiro e um parente do finado
E que fortuna! Vinte e seis dentes de ouro!
Abstraído eu repassava aquele plano;
Reafirmando a valiosa ocasião !
Nada demais desenterrar um corpo humano
Algo fadado à se perder na podridão!
À meia noite , ante a fresca sepultura
Aliançados nós em fim nos encontramos
E sem remorso ou temor, da cova escura
O valioso artefato retiramos!
O primo ria orgulhoso da conquista
E sussurava nos ouvidos do finado
Há poucas horas eras só um enterrado
E sois agora paciente de um dentista!
E ali mesmo ele armou seu consultório;
E foi alegre extraindo a dentadura!
A cada dente suspirava em ar simplório :
\"Que desperdício ostentar na sepultura!
Que uma cova só de treva se constela
Olhe pra ele na luxúria do seu terno
Quando sorrir pra satanás lá no inferno
Estará chique,mas também muito banguela!\"
E todos rimos, nesse instante o luar cheio
Por entre nuvens obumbradas se escondia;
A escuridão era sugada para o feio
Oco de treva que forçado se exibia!
Fausto de inglória o cadáver exumado
Qual se quisesse odioso reclamar
Boquiaberto foi de novo sepultado
Entregue ao brilho da miséria tumular!