Zaira Belintani

CASARIO

Na moldura de outro tempo

as casas se aconchegam,

disfarçando a solidão.

Agarram-se par em par,

dividindo por direito

a rua encascalhada,

os gatos sobre os telhados,

as goteiras nos beirais.

Os galhos das goiabeiras

debruçados sobre as cercas

e os velhos cães nas soleiras.

 

Quanto pesa a nostalgia

nas franjas dessas cortinas!

As janelas pequeninas

há um século contemplam

a paisagem defronte.

E, onde a vista não alcança,

a lembrança é mais bonita:

lá no alto, sobre trilhos,

o trem de ferro avança,

um longo apito na curva,

a euforia das crianças

acenando ao maquinista.

 

Passa o tempo, e o casario

como preso por um fio

de arrefecida memória.

Já não sabe a vizinhança

onde termina uma vida,

onde começa outra história.

As conversas se confundem,

Até as paredes falam!

Ouve-se sem cerimônia

a própria voz do outo lado,

dizendo das mesmas dores,

dos dramas, brigas e amores.

Foto: (Zaira Belintani) casario existente na minha cidade natal - Itabirito - MG