Eram 22 horas em uma noite de poucas estrelas
Eu estava no bar após outra semana daquelas
Fiquei lá por horas como de costume
ao ponto que a fumaça do cigarro já fazia seu volume
O álcool me fazia cambalear, até o ponto de já muita coisa nem conseguir lembrar
Esses dias eram praticamente religiosos.
Eu podia ouvir meu corpo reclamar
Praticamente gritava usando os ranger dos ossos
Lamentava os dias passados na ânsia de que logo eu pudesse lhe dar como acabados
Depois de mais uma longa e dolorosa rodada eu escutava os sinos darem a última badalada
Era minha hora de voltar pra casa
Teria que acordar cedo para me limpar das cinzas e tirar o cheiro da brasa.
Mas eu nem conseguia andar
Nem com movimentos sutis e caminhando devagar
Não seria fácil chegar
E tudo piorou quando estava de frente contra a descida de uma escadaria
Era só descer ela, andar mais duas ruas e pronto, chegava onde morava, teria o repouso que merecia
A sorte não estava do meu lado e cai de maneira que jamais iria levantar
Nem iria me mexer, nem sequer tentar
Apenas a queda aceitar e imaginar que só dali uma semana alguém iria se importar e me acordar
Pois dormi
deitado, atirado ali.
Horas depois na madrugada acordei escutando sons que vinham da praça
De algum modo os efeitos do álcool sumiram no meu acordar
Subi então as escadas de volta para me dirigir até o local
Havia lá um peça teatral em pleno luar
Era estranho escolherem esse horário para se apresentar
Ainda assim haviam pessoas assistindo
Não me reprimi, sentei lá para apreciar
Apesar de não me sentir bem vindo.
Os atores contavam uma história sobre sonhos e morte
Que passavam dificuldades em trabalhos árduos mas que na verdade queriam viver da arte
No meio de vários destes, tinha um que me puxava a atenção.
Um rapaz que não se sentia suficiente
Um garoto indigente
Mas que se considerava inteligente
Dizia ter nascido com todas as condições para ser grande, mas que nunca alcançaria seu potencial
Costumava pensar que tudo daria certo no final
Mesmo sem esforço pois haveria sempre de seus pais um reforço
Mas com a chegada da vida adulta, sentiu a verdade em uma pressão que lhe trouxe ao sufoco
Os compromissos lhe acertaram com um soco.
Era um personagem estúpido, a única coisa que dizia era a insatisfação própria que sentia
Ao menos era engraçado como ele vagava pelo cenário em um andar escrachado
E em qualquer oportunidade os outros personagens o faziam ser ridicularizado
Para jogar sua auto estima abaixo e mostrar que ele realmente era um fracassado.
Mas uma cena viria a me deixar desesperado
Quando aquele personagem passou a ser um bêbado
Da maneira mais idiotizada possível
Ele caiu pelas escadas do palco e toda a plateia começou a rir, para eles era incrível
Mas eu compreendi, eu estava me vendo ali
Como algo elaborado para me mostrar o que eu já entendi.
Era uma paródia bêbada que me trazia agonia
Uma piada elaborada que eu consigo rir da ironia
Ninguém me disse nada mas eu me senti humilhado
Naquele momento eu quis me esconder, não queria encarar a realidade
Não queria assumir que aquele era uma versão minha na verdade.
Eu fugi tentando voltar para casa
Novamente estava de frente com aquela escada
Cada degrau descido eu me lembrava das risadas que aquele povo dava
Entrava em mim como uma faca
Meu orgulho dilacerava
E todos os momentos de fracasso da minha vida minha mente lembrava.
Quando cheguei em frente a porta de meu lar
As luzes se apagaram
Estava tudo escuro e o silêncio era tudo que se podia escutar
Até que ouvi uma voz
Que dizia: \"Ei, senhor, acorde, nós lego iremos fechar\"
Acordei de bruços em um balcão, levantei então minha cabeça e percebi
Que nunca havia saído do bar
Que tipo de alertas elaborados nossas mentes podem nos dar?
Fim.