O Homem do Espelho
Ontem eu estava conversando com o homem do espelho:
- Como o tempo passa rápido, hem? Outro dia nós éramos jovens, cheio de sonhos, esperanças, energias...lembra? Estamos ficando velhos amigo, ficando sábio talvez e um pouco mais tolerante com a vida também, pode até ser.
O homem do espelho só me olhava intrigado, mostrando suas rugas, nem tão poucas assim, acumuladas pelos anos de luta e andanças... os olhos avermelhados e casados, sem aqueles brilhos de outrora...foram passando várias nuvens das lembranças quase perdidas do passado na minha cabeça...
E o questionei:
- Como pude deixar tantas coisas pela metade, amigo? E de algumas que deixei acontecerem e de tantas outras que ficaram pelo caminho sem a minha atenção e importância devida, sem o valor merecido.
E outras tantas que nem comecei com medo de errar e errei por não tentar...
E ouvi do homem do espelho:
- Talvez seja tarde demais para lamentarmos, o importante é seguirmos em frente e deixá-las em seus lugares de origem. Alguns vão dizer que nunca é tarde...Mas sabemos que não é bem assim, não é amigo? Não somos mais os mesmos, os tempos são outros, os anos pesam... Como seria bom se pudéssemos retornar e retomar de onde paramos? Reparar os nossos erros e evitarmos os nossos tropeços...mais a vida é assim. Será que seriamos mais felizes e teríamos a consciência mais tranquila hoje? Não sei te responder meu amigo e com toda certeza nunca saberemos.
Eu ouvia o homem do espelho atento e falei convicto:
- Eu tentaria ser mais delicado com as minhas palavras e decisões, menos arrogante em certos momentos e mais amoroso com os que me arrodeavam, os que realmente me amavam, agradeceria mais e reclamaria menos, não me queixaria do café frio e do leite quente demais, pois era só misturá-los em harmonia, como se fosse uma boa melodia e uma bela letra de amor, não reclamaria pela cama está revirada à tarde, pois fomos nós mesmo que desforramos em nossa manhã de amor...
Não reclamaria por vê-la descansando, deitada... Pois era a posição que mais gostava em tê-la em meus delírios e desejos...Não seria tão egoísta com o meu tempo sempre precioso e ao meu belo prazer...Amaria mais muito mais, com toda as minhas forças e paixão, aproveitaria cada instante como se não houvesse um outro amanhã...Não blasfemaria tanto do frio, hoje parece estar mais frio ainda...
Ouviria mais os meus pais e os mais velhos, mesmo achando que eu estava coberto de razões, brincaria mais de criança com as minhas crianças, ao invés de trabalhar e me cansar tanto, por nada... Faria tudo com mais paciência e redobrada dedicação, com a visão do presente e a voz da experiência adquirida.
Há! Também faria um grande álbum da minha vida, iria tentar registrar todos os meus bons momentos em fotos multicoloridas, que mesmo ainda mofadas e desbotadas pelo tempo, mas que me serviria hoje para meu grande flashback solitário, arrancando da parede da memória os retratos da vida, jogando fora as suas molduras podres, ficando com os eternos momentos que jamais voltarão, gravado na minha mente e no meu coração. Isto é o que conta...É o que levamos da vida, amigo.
Ainda tive alguns lampejos das lembranças quase esquecidas, as saudades reprimidas e contidas, que foram tornando-se inconstantes e confusas na minha mente já cansada.
Olhei para o homem do espelho, esperei pela sua aprovação ou um comentário qualquer. Então reparei um par de lágrimas teimosas que escorriam pelo seu rosto enrugado, dando lugar a outras tantas, que, como gotas de chuva, que foram caindo ao chão dissipando-se...
O homem do espelho chorava...
Roberto Ornelas