Raphael Nery

Árvore eucaristia

 

Alguém plantou uma eucaristia no campo

Cresceu árvore frondosa

Seiva branca virginal

Frutos suculentos

Folhas macias e sombra pastosa

 

Fui abrigar-me nos seus pés durante a chuva

O dono do campo me expulsou com chibatadas

Era o curral dos seus cavalos

Cocho dos bezerros e gozo do ego

 

Ainda sim, continuei visitando-a nas noites

Roubando seus frutos e matando minha fome

Delícia era deitar naqueles galhos

Reclinar a cabeça em seu peito

Experimentar a paz

 

Mas o caule secou

O sol queimou as folhas

Expremeu os frutos

Findou a sombra

Como que morta, entortou-se

 

Vi de longe o pranto do dono

Seus cavalos enlouquecidos

Bezerros desesperados e seu ego acabado

Era o fim de uma vida boa

 

Todavia, da morta recebi uma herança

Restava o último fruto no meu bolso esquerdo

De brilho indescritível, maciez perene

Emanava vida na minha fome

 

O fruto disse algo

Os ouvidos não entenderam

Meu coração sim

Mesmo sendo noite, entendi a missão

Resolvi deixá-lo secretamente na porta do dono

 

De manhã desistiu de morrer

E faminto, plantou a nova eucaristia

 

Continuo visitando-a

Roubando seus frutos

Matando minha fome

Até que seque novamente

E outra vez o último fruto diga:

\"Seja eucaristia!\"