Não quero ver só seu rosto!
Distante e sem cor
Quero ver como antes
Olho a olho - cor a cor
Não quero de longe
só escutar sua voz!
Quero aquele abraço amigo
De perto e paciente monge.
Quero conhecer quem cuida de mim,
quem cuida dos meus e de nós.
Sentar e conversar
No seu consultório a sós.
Doutor se achegue
e aperte a minha suada mão.
Quero ver o seu sorriso
Tua escrita feita à mão.
Sei que seu dia é corrido
e fazes Medicina por
paixão.
Volta a trazer sorrisos
Alegria e compaixão.
Por favor não vá embora
atrás desta tela
que não sente a minha alma
e nem ausculta meu coração.
Doutor não diga não à Medicina,
não se afaste de mim não.
Eu que vim de tão longe
E esperei tanto para apertar a sua mão.
E você também ao longe
atrás do visor e sem emoção.
Estás cada vez mais distante
e em teu lugar
a voz melan-cólica do computador da ilusão.
Como podes me ajudar
se minhas lágrimas
por vezes tu não mais vês,
nem minha história
e nem minha vida
não conheces e nem quer saber.
Esqueceu de ver a ferida
bem perto da solidão
e tudo passou despercebido no traçado do coração.
Não viu a minha dor,
meu semblante e torpor
Nem minha mão tremendo
Meu flapping e meu suor.
Foi tudo tão rápido
Sem emoção e sem dó
E quando percebi
cheguei e sai só.
E carrego no meu peito
A mesma dor
e na garganta o mesmo nó.
E tu cada vez mais distante
e a Medicina que chora
ao te perder
vendo a pancada da porta que se fecha
sem tu mesmo perceber.
Doutor, como podes me ajudar ?
Refazer o refazendo,
construir o destruído,
escutar meu choro
e não só ruídos perdidos.
Ver o meu e o teu todo
e não só minha face,
conversar e me escutar,
ver meu baço e me palpar,
ver meus pés e ‘tocar’
o cacifo que teima
em não desaparecer até tu voltar.
Volta doutor e toma conta de mim.
Tenho histórias e filhos,
tenho vindas e vidas,
tenho fé e medidas,
tenho estômago que queima
e apêndice que se esconde
como tu que hoje some
sem nome e sem mim.
Veja meus olhos dourados
teimando por um diagnóstico
não vá nos contos malvados das empresas sem dó
que te afastam da Medicina,
de mim e de ti
e assim morremos sós!
Ah meu coração ainda pulsa
e sopra seu sistólico, quase melancólico,
de ritmo sem rito,
só lamento de um sopro
e junto do sufoco com uma B3 trá...!
Traz de volta a Medicina
e abra a janela do coração.
Abre a porta sem demora
onde mora a hipótese
E traz a luz na escuridão.
Eu te suplico
fica perto e sem desatino
Traz de volta não desanimas
a história e o prognóstico
e com ela a bela arte do diagnóstico.
Abres a porta da espera
e deixa entrar o meu deambular
e minha voz embotada, triste e singela.
Estou aqui cheio de nó!
Nó na garganta feito ‘globus’,
nó na alma nua e despida
sem tuas mãos esculpidas
e cheia ‘Ais’ e de dó.
Minha barriga distendida
de flatos, de fato e cheia de ‘só’.
Sem sol, só solidão
e uma angústia terrível vinda do coração.
Não vá embora meu ‘dotô’
Não me deixes na solidão.
Espero esperando você
entrar para assim me ajudar.
Me falar, me auscultar,
Me ouvir,
me sentir,
E só depois me receitar.
E minha barriga ainda grande
Cheia de líquidos e clamor
busca por teu afeto
e tua mão de doutor.
Quero que não só ouça minha voz e meu clamor.
Mas que converse de perto,
faça o certo
Se aprochegue
Chegue perto por favor.
Deixe eu respirar
Contar trinta e três
Se inspire e me ausculte
E sinta também meu fetor !
Meu hálito que te ajuda
a diagnosticar com fervor.
A minha mancha da acantose,
o nódulo e minha fácies de dor.
O meu cabelo caído
Meu olhar desmilinguido
Minha pele e meu temor
De perder o meu médico
Ah !
Traz de volta meu ‘dotô’.
A nobre arte esquecida.
As tristes dores espremidas
A Medicina esvaída
A espera da poesia e da vida
A fala sem tom.
O reflexo, o refluxo,
Os cíbalos.
E a dor sem cor
Pálida e entristecida.
Por favor salvem a Medicina
e alivie minha dor.
Coloquem seus jalecos,
E tragam de volta meu dotô!
Roberio Motta, Estado de Graça do Cariri, Brasil em 16 de fevereiro de 2019.