Jp Santsil

Arruda Sagrada

Como de costume no final de tarde estava a trabalhar no seu pequeno jardim, em especial, no canteiro de ervas que fizera ao fundo do quintal de sua casa, próximo de uma cerca feita de pequenas varas de bambu-chinês. Esse pequenino canteiro horizontal, confeccionado por pequenas pedras de calcários brancos enfileiradas, era um dos pontos mágicos e sagrados do seu jardinzinho orgânico. Ali encontravam-se plantadas, uma após outra, plantas de poder e de cura, medicina para o espírito, para a alma (psique ou coração) e para o corpo, como: Capim Santo (Elionurus candidus), Erva Luíza (Aloysia citrodora), Erva Cidreira ou Melissa (Melissa officinalis), Sálvia (Salvia officinalis), Babosa (Aloe Vera), Manjerona (Origanum majorana) e duas espécies de lavanda ou alfazema (Lavandula angustifólia e Lavandula pedunculata).

Progressivamente em fila, encabeçando o canteiro, plantara um Pezinho de Limão: “Mas, o que tem de haver um Pé de Limão junto a plantas medicinais e de poder?”. Na verdade, o Pé de Limão fora colocado no lugar, em que se encontrava um saudável e farto arbusto de Ruta-de-Cheiro-Forte (Ruta graveolens), que misteriosamente em uma demanda espiritual de ordem negativa vinda externamente contra ele, o arbusto em caridade protetora, secou gradualmente, aos poucos, em sacro-sacrifício e morreu. Daí lhe veio, como sempre, a doce recordação de infância nas sábias palavras de sua (já desencarnada) bisavó, que era uma poderosa parteira, rezadeira e curandeira. Muito bem conhecida em toda a região onde morava, entre outras muitas fantásticas manifestações, por realizar mais de três mil partos entre humanos e animais, inclusive o dele próprio, sem deixar desfalecer um ser vivo sequer, não importando a gravidade de risco. Praticamente todos os meninos e meninas da localidade nasceram pelas benditas mãos dela, que devido a tal prodigiosa façanha ficará conhecida por todos como Dona Darluz, apesar de ser mais uma Maria das muitas da região.

A respeito da Ruta-de-Cheiro-Forte, sua bisa lhe dizia advertindo: “Essa planta tenho para mim como a mais sagrada de todas as plantas, pois pertence unicamente ao Sagrado Positivo, e, por isso deve ser sempre colocada na entrada da casa. Assim, nada de negativo pode entrar em seu ambiente.”

Devido a tal nostálgica recordação, ele resolveu colocar umas mudinhas da Ruta-de-Cheiro-Forte na entrada da sua casa, e plantar um Pé de Limão no lugar do arbusto que morrera no fundo-de-casa.

Sim! Mas, por qual razão plantar o Pé de Limão no fundo da casa?

Sua bisavó, D. Darluz, lhe falara que o Limoeiro (Citrus limon) era a contrapartida da Ruta-de-Cheiro-Forte. Dizia ela que toda planta tem sua contraparte no mundo, sendo: positivo e negativo, feminino e masculino, inercia e movimento, absorção e repulsão… se completando em ciclos espiralados. Além, é claro, que toda contrapartida deve pertencer a mesma família. No caso o Limoeiro e a Ruta-de-Cheiro-Forte pertencem à família das Rutáceas. Por isso, falara também, que o Limoeiro sempre deve ser plantado no fundo da casa, dessa forma poderia fechar um ciclo para proteção do ambiente, em que o Limoeiro atraia para ele tudo que era de negativo que a Ruta-de-Cheiro-Forte deixara passar se a carga negativa fosse maior que a capacidade da planta barrar, completando assim a proteção energética ambiental.

Sempre em que se entregava a dar manutenção no seu canteirinho de ervas de poder, seus pensamentos, imbuídos em muito sentimentos, voltavam-se com todo carinho para a figura mística da sua bisa, a popular D. Darluz. Seu nome verdadeiro era Maria da Piedade, nascida em Portugal na antiga Vila da Arruda e hoje atual município Arruda dos Vinhos, no distrito de Lisboa (Região de Lisboa e Vale do Tejo), comunidade intermunicipal do Oeste Cim. Dona Darluz dizia ser descendente das famosas curandeiras de sua região, pejoradas pelos ignorantes como Bruxas da Arruda, que por assim, eram descendentes das feiticeiras e sacerdotisas dos antigos Povos Celtas, mas que devido às misturas culturais e étnicas, e de conquistas de outros muitos povos, com seus costumes e crenças, ainda as mulheres de sua família mística mantinham as antigas tradições, com meras e significantes influencias dessas novas culturas que foram ao longo do tempo agregadas (Não citando as muitas mazelas que sofrera sua mística linhagem durante os massacres do Tribunal do Santo Ofício, com a perseguição religiosa da inquisição portuguesa, promovida pelo clero católico dominicano). Imigrara junto a sua família para o nordeste do Brasil nos meados da primeira década do século XX (entre 1910 a 1920), aos vinte anos, devido à crise que se alastrava na Europa, como resultado da conclusão da Primeira Guerra Mundial e da gripe espanhola. Sendo assim, se fixara no Novo Mundo absorvendo também as muitas sabedorias místicas que ali existiam, tanto dos povos ameríndios como dos afrodescendentes.

D. Darluz tinha uma presença magneticamente atraente, sendo uma linda senhora alta, bonita, nem muito magra e nem muito gorda e de olhar penetrante. Morava em uma casa que fora construída metade de pedras e outra metade de madeira a arquitetura arcaica mediterrânea, toda ela erguida com o suor de seus pais, seus irmãos e dela mesma. Em uma chácara com cerca de quarenta hectares. Lá havia um grande pomar com diversas árvores frutíferas, uma horta orgânica, campos de flores e ervas medicinais e muitos animais domésticos, como: cabras e bodes, cavalos e éguas, mulas e burros, jumentos (Equus asinus), galos e galinhas de diversas raças, perus, pombos, papagaios, pavões, patos, gansos, porcos, vacas e bois, além dos muitos animais silvestres da região. E, sobrevivia da produção de derivados de leite (queijos, doces e coalhadas de cabra e vaca) e de suas práticas místicas de reza e cura, que, na verdade, esses serviços sagrados eram lhes recompensados por doações. Pois, ela sempre dizia que a verdadeira proteção e cura não podia ser comprada, apenas recompensadas pelas atribuições dos beneficentes, o que estes julgavam de coração contribuírem de acordo com que achavam ser merecido, e, nunca cobrava nada e nem recebia doações, um centavo sequer, pelos partos que realizava, afirmando ser (esse Sagrado Ofício) a sua verdadeira missão na terra: DAR A LUZ!

Como toda boa portuguesa milagreira em terras brasileiras tinha lá suas queixas, que eram verdadeiramente mínimas e de questões culturais. Sentia falta dos vinhedos e dos bons vinhos, das oliveiras e de suas azeitonas e azeites, dos muitos temperos e ervas naturais do mediterrâneo, das ovelhas e suas deliciosas coalhadas e queijos, do frio nas pradarias e do aconchego da lareira… suas queixas se baseavam em suas saudades de uma terra mágica e romântica… de Portugal, sua gente pacata e sua península ibérica. O Azeite, produto das oliveiras, lhe era sagrado, pois, era através dele que realizava os seus milagres adivinhatórios de cura e proteção. Em que pingava gotas de azeite no consulente, depois com o dedo retornava a pingar o azeite em um prato raso com água, lendo as gotas de óleo que davam forma as verdes letras mágicas no líquido, em seu processo místico divinatório. Também, conseguir o azeite de oliva puro era muito difícil no nordeste do Brasil, porquanto, encomendava algumas sacas de azeitonas do Uruguai com os caminhoneiros que lá iam e regressavam, e, manufaturava pessoalmente o seu azeite. Sendo que nessas consultas com esse processo, independente das doações, cobrava uma certa quantia fixa, apenas, para cobrir os custos do material importado e sua trabalhosa produção.

Em sua casa havia um pequeno quarto dedicado ao sagrado, com uma grande mesa servindo de oratório em que se realiza os muitos milagres, curas e adivinhações. Essa mesa era repleta de objetos místicos, tigelas com água e azeite, vasos com vinhos e porções de cura, pedras semipreciosas, ossos, pequenos frutos e animais dessecados, potes de unguentos e cataplasmas, pedaços de madeiras e galhos secos, velas, óleos essenciais, cristais, pequenos jarros de barro e porcelana, potes com incensos, incensários, instrumentos, lápis e cadernetas de receitas místicas, papeis para anotações, muitas flores e frutas para oferendas, sal grosso, sal amargo, mel, livros e todo teto era coberto com ervas medicinais, arrancadas pelas suas raízes, penduradas de cabeça para baixo. Criando um ambiente de um universo místico com os seus muitos odores e fragrâncias mágicas.

Voltando-se para o aqui e o agora, no seu pequeno jardim, com as tantas recordações da sua bisa, lágrimas rolaram de seus olhos ao relembrar de sua infância, em que vivera da idade de dois anos até os seis na companhia dessa mística senhora portuguesa na sua maravilhosa chácara (Chácara Celeste), que depois veio a falecer tranquilamente dormindo com a idade de 97 anos. Recordou-se das tantas histórias que sua bisavó lhe contara de sua terra natal, como: O Caso da Perua, em que um lavrador descobriu que sua vizinha era uma feiticeira que se transformava em um peru; as lendas de lobisomens e maldições; O Demônio do Pinhal do Álamo, em que um curioso rapaz achou um cabrito branco que, na verdade, era um demônio; A lenda de Nossa Senhora da Ajuda; A Lenda de São Tiago dos Velhos; A Lenda do Ouro e da Peste; A Lenda da Parteira e dos Mouros; A Lenda da Cobra e das Cinzas; A Lenda de D. Manuel I e da Peste; A lenda dos Fornos das Antas; A Lenda dos Quarenta Queimados… E, a lenda que ele mais gostava ‘A Cova do Gigante’, que é um monte do município Arruda dos Vinhos que dizem ser a sepultura de um enorme gigante ciclope Grou que assolava a região.

Sendo que, além de todas essas maravilhosas lembranças, sempre lhe vinha à mente as muitas sabedorias mágicas que aprendera com sua bisa, em especial ao que diz sobre as ervas de poder. Sua bisavó lhe ensinou que as ervas tinham poder de curar e empoderar o Espírito, a Alma (psique ou coração) e o Corpo, sendo que não toda erva era para cura de ambos. Existia um grupo de ervas para cada seguimento dessa tríade, porém, apenas um pequeno grupo de ervas, conhecida por ela nas terras sul-americanas, serviam para cura e, dar poder aos três veículos. Dentre elas estavam o Tabaco (Nicotiana tabacum), a Acácia ou Jurema Preta (Mimosa hostilis), a Chacrona (Psychotria viridis) e o Mariri (Banisteriopsis caapi), a Diamba (Cannabis sativa), a Folha de Louro (Laurus nobilis) e por último, a que segundo ela era a mais sagrada de todas, a Ruta-de-Cheiro-Forte, muito usada em sua tradição milenar Celta, em que ela utilizava para todos os seus processos milagrosos.

E foi por causa da influência de sua bisavó entre as parteiras, rezadeiras, mães-de-santo e curandeiras do Novo Mundo, que a ‘Erva de Cheiro’ como era conhecida no Brasil, trazida das terras mediterrâneas pelos portugueses no período colonial, passou a se chamar nessas terras tropicais do Novo Mundo de: Arruda, em reverência a vila natal de Maria da Piedade, a D. Darluz.