Cecilia

Para Sofia Bottino Lopes, minha neta

Sofia,

Acabo de saber que surgiu m divisor de águas na sua vida, e na minha também: Antes e depois do primeiro filho; antes e depois do primeiro bisneto.

Tiro da prateleira a linda Matrioska, com a qual você gostava de brincar, abrindo o seu ventre bojudo e encontrando lá outra boneca igual, encaixadinha.   E, dentro dessa segunda, uma terceira, e depois uma quarta, uma quinta, uma sexta, um não acabar de bonecas dentro de bonecas.

Enfileiro carinhosamente, em cima da mesa, as quatro primeiras: eu, bisavó, sua mãe, avó, você, mamãe e a criaturinha esperada. Abaixo de mim, três gerações. Já me sinto uma quase Matrioska.  

Obrigada, Sofia.

Essas bonecas, na sabedoria do folclore russo revelam um detalhe comovente: elos que somos na infindável corrente das gerações desde o começo até o fim dos tempos, já nascemos trazendo os óvulos que formarão nossos futuros filhos. Quando você ainda dormia, no escurinho do ventre de sua mãe, esse filho que agora se revela, já esperava um encontro de amor para vir a ser. Não é maravilhoso que a natureza preparasse a existência de seu filho   antes de você sequer haver sonhado com isso?

Imagino você, ainda esbelta, estranhando as outras pessoas não saberem do segredo precioso que guarda debaixo do coração, desejando que a barriga cresça e se projete logo, para todos saberem, enlevados, que vai ser mãe em breve, e oferecer à família e ao mundo, um presente de valor incalculável.

Imagino você, os olhos marejados, diante da tela do ultrassom, vendo pulsar, como uma estrela, o minúsculo coração de seu filho. Colocando, no porta-retratos, à cabeceira primeira foto do perfil, pensando nas feições que terá, com quem se parecerá.

É tão bom saber o sexo e escolher o nome antecipadamente, para se ter a ilusão de conhecer o bebê. Por mais que se sonhe, ele será sempre uma surpresa, uma incógnita, melhor do que poderíamos desejar

Imagino você no momento glorioso do primeiro choro do seu filhote, partilhando a onda de emoção que inunda a sala de parto. O mistério do nascimento, carregado de significado que ultrapassa nosso entendimento, toca o mais fundo do nosso ser. As crias humanas são frágeis, dependentes, mais que as de outros animais.   Chegam, tomam conta de nossa casa, do nosso tempo, de tudo que temos e somos.

Enquanto pequenos, passamos anos olhando para baixo, sentadas no chão, curvadas para ficar à altura deles. Adultos, cuidam de nós.

Haverá ventura maior na maternidade que olhar para cima para falar com os filhos?   Em todos os sentidos.

O tempo passa depressa, eles crescem, em pouco descobrem s recantos da casa, a porta da rua, as estradas do mundo, tornam-se nossos companheiros nesta vida e muito, muito mais: nossos futuros companheiro de eternidade.