Doloroso

Declaração de Amor e Desejo

I\'ve nothing much to offer

There\'s nothing much to take

I\'m an absolute beginner

But I\'m absolutely sane

As long as we\'re together

The rest can go to hell

I absolutely love you

(...)

(David Bowie)

De tudo que não tenho,

Que não sou, do que te cerca,

Eu queria ser teu espelho…

Eu te veria como jamais vi:

Absorta em tua beleza, 

Distraída em tua nudez,

Adornando a ilustração com que te apresentas ao mundo…

Como espelho eu te arrostaria impunemente

Sem jamais embebedar de teus encantos.

Eu te diria, sem dares atenção, 

Que és mais maravilhosa que todas as maravilhas;

Que és mais bela que qualquer intenção, palavra ou obra de Deus;

Que és mais deusa que a divina Vênus;

Que és a própria Vênus, 

Nascida não de caprichosos deuses mitológicos

Nem de um elemento tão simplório como o mar,

Mas de uma noite de amor da qual te tornaste

A imagem do próprio amor, pleno e saciável. 

Esses teus cabelos negros como o mais cruel dos destinos;

Como a angústia de te esperar em vão;

Negros como a amargura com que te compreendo,

Eu queria te ver escová-los, sorrindo, orgulhosa.

A suave escova a passear por eles,

Teus dedos acariciando-os com a doçura 

Que nem teus amantes ganham de ti…

Eu sonharia sufocar-me em seu perfume,

Dormindo com o rosto enterrado neles.

Céu noturno profundo de delícias e ausente de estrelas;

Atmosfera de sonhos que se perdem 

Na cavalgada selvagem que faz de Pégaso 

Um potro imberbe. 

Presos, eu sou o encarcerado

Lutando para me atar mais e mais

Nessa escuridão que me fascina,

Nesse breu que ilumina tudo o que mais quero…

Meu horizonte, meu paraíso, minha meta, 

Minha chegada 

É o teu rosto de harmonia absoluta. 

Beleza e perfeição são palavras que não cabem

Para expressar a aventura e a ventura de contemplar imagem tão bela!

Desejo esculpido em face sublime, 

Sentimento encarnado encarando o sobrepor das eras;

Verdadeiro astro de luz própria 

Sem nascente nem poente,

Onipresente,

Que preenche a ausência com lembranças 

De teus retratos soltos pelo universo. 

Teus olhos, fitando as desgraças da vida,

São duas máquinas a triturar obstáculos e admiradores, 

De moer meu coração, 

Ao mesmo tempo em que são dois delicados faróis 

Cuja luz serena e pacífica 

Caça as presas para deles serem cativas.

Teus olhos são as estrelas que eu sigo

Olhando para um firmamento inatingível, 

Caindo num precipício infinito…

A tez tem o brilho mais valioso que os tesouros do Paraíso;

O nariz arrebitado, desenhado com esmero…

Teus lábios de guardar segredos, de condenar uns poucos a morrer de felicidade 

E tantos outros ao inglório esquecimento, 

Esses lábios dos quais meus beijos são sedentos,

São portais das dimensões que habito

E das que gostaria de adentrar:

A volúpia, as canções do amor mais entregue, o meu nome

Pronunciado com os sons da devoção! 

Devoção que cultivo com santidade e pecado pelo teu ser

Estampado com requinte em teu corpo feminil,

Cujas vestes, quaisquer que sejam,

Foram primorosamente moldadas

Nos encantos que o mundo te conhece. 

Sem elas, não existe ainda vocábulo que te defina…

Teu corpo, este espetáculo…

Algo que emudece, paralisa,

Excita e faz queimar de sofreguidão;

Que aniquila as forças depois das horas do amor 

E pede mais, merece sempre mais. 

Bem-aventurada a água a banhar-te,

Permitida a visitar os recônditos dos teus fascínios;

Felizes os teus óleos e perfumes 

Que percorrem as graças de tua pele, aromatizando-as.

Teu corpo, sozinho, no banho, na cama, oculto,

A arrancar aplausos da vida,

Dos que já passaram por este mundo 

E dos que ficarão para sempre 

A desejar-te num sonho que nunca começa 

E jamais termina. 

De tudo que não tenho,

Que não sou, do que te cerca,

Eu queria ser as batidas dentro do teu peito, 

O palpitar do teu seio,

A lágrima de alegria,

O sorriso em tua boca, 

Teu despertar diário, 

Teu momento de magia 

E teu repouso revigorante.