quando me apresentou meu pai as estrelas
banhávamos sob um céu de purpurina, deitados
em chão de terreiro, numa noite quente de verão;
foi a única vez em que experimentei a liberdade.
para uma criança que ao primeiro sinal da noite
é recolhida e agasalhada dentro de casa porque
criança dorme cedo, contar estrelas tarde da noite
no latifúndio do quintal é transgressão libertária...
no tempo em que meu pai me apresentou as estrelas,
ele me ensinou alguns mitos, apontou-me as três marias,
o cruzeiro, passou-me uma ou outra superstição, e eu,
àquela noite, dormi certo de haver conhecido o universo.
à manhã seguinte, enquanto eu fazia o desjejum,
ansioso para exibir na escola meu conhecimento
universal, vi meu pai sair de bicicleta para
empenhar seu tempo por alguns trocados numa
oficina insalubre.
ele desconhecia física quântica e nem
imaginava que algumas das estrelas que
me apresentara com a sapiência dos
inocentes já nem existiam mais...