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Duzai

DargĂ´: URGENTE

Dargô: URGENTE — sobre esquizofrenia

Pinguelo, por que são tão idiotas os meus perseguidores?

Tu, Pinguelo, não és nada para mim, ainda assim, me persegues.

Sei que deitas bêbado e acordas mijado, em qualquer canto, calçada, construções abandonadas… Verdade? Verdade? Finge bebedeira quando dorme, molha as calças de propósito para desviar minha atenção sobre tuas verdadeiras intenções. Queres que eu olhe para tua bunda e para o teu mojo? Eu olho. E eu olho todos os dias. E há muito descobri que não é mijo, mas suco, refrigerante, água… Preste atenção! Preste muito bem a atenção! Minha casa, minha cama, minha mesa, meu prato cheio, meu escudo, minha fortaleza, meu nariz: te cheira melhor; meus olhos: te veem melhor; meus ouvidos: te ouvem melhor; minha boca: te vomita melhor.

Levanto-me todos os dias e vou à janela, porque tu, Pinguelo, me persegues, sempre rondando, olhando para minha cozinha com esses olhos de esganado. Mas não é fome, nada! Eu sei bem o que é…

Pinguelo, Pinguelo, Pinguelo! PIN GUE LO!… Ninguém o detesta mais que eu e Venâncio.

Venâncio? Por quê? Porque deixa o coitado na rua? A vigilância tá de olho! Ele vem aqui sempre, anda comigo por aí…

Que vigilância de olho o quê? Diz aí! Estão metidos com vocês? Cambada! Pois bem: o vira-latas não é meu, seu fedorento! Sabes muito bem: ele não quer dono nenhum! Mas tu comes a marmita dele todos os dias — a marmita que eu deixo para ele.

Eu pensei que era para mim… Miserável! Por que não deixa duas? Poderia…

Como assim “poderia?” Está vigiando meus proventos? Minha renda mensal? Ai, ai, ai! Não quero nem pensar se eu descobrir isso, mas vou investigar. Ah, se vou! Agora vou! Não tenho bênçãos para ti! Comida e água limpa, no caso. Mas trouxe uma Bíblia. Você conhece a Bíblia, Pinguelo?

Eita, doida! Não sei ler, enxergo mal, não me servirá como travesseiro, não como papel, é pesada para carregar e, vou acabar derramando cachaça e lambuzar essas páginas, essas letras brilhantes de ouro. Tão lindas! Se acontecer, o inferno tá garantido pro vadio aqui.

Então, vá à merda! E não coma mais as bênçãos do Venâncio.

Minha calçada é, para ele, um refúgio, uma fortaleza, já disse!

Meu, não!…

Não! Só do Venâncio. Motivo? Eu preciso ter algum domínio sobre a situação. Ou meu destino se adiantará sobre mim.

Tá certo. Não tô entendendo nada, mas pode dá isso pra ele também. Não quero, não preciso. Pega aí?

O espião arteiro de quatro patas não lê.

Mas pode vai se divertir rasgando folha por folha. É filhote. Até tô vendo: vai voar Velho e Novo Testamento pra tudo que é lado. Tem ventado à tarde.Vai ser bonito… Tô imaginando aqui… E nem vai ser pecado. Cachorro não pensa, não peca.

Não pensa? Pois bem, decora códigos, não é mesmo? Ontem eu os vi pela janela do meu quarto. Ambos se alinhavam em lados opostos da mesma rua, e se olhavam, se analisavam. Venâncio murchou somente uma das orelhas, a direita, e levantou a pata esquerda dianteira por um minuto. Exato um minuto! Coisa de quem pensa. Pensa, sim, Senhor! Não só pensa, reflete e age segundo o seu adestramento. Eu sei!

Tá mais doida que a Bituca.

Bituca? Quem é Bituca? Onde ela está? Como ela é? Está na rua também? É sua amiga? Se esconde? E é doida?… Como doida? O que ela faz para ser chamada assim? Eu preciso ver Bituca. Mais uma espiã! Mais uma!

CA CE TE! Sangue de Jesus tem poder!

Sangue de Jesus tem poder? Sangue de Jesus tem poder? Eu sabia! Eu sabia! Sangue e poder. E agora essa tal Bituca… Sangue, poder e Bituca. O que mais, meu pai? O que mais?

Tudo bem! Tudo bem! Eu estou agindo e não estou sozinha, também tenho os meus, e foram todos muito pesquisados antes de contratados: família, endereço, certidão de antecedentes…

E lá isso adianta? Se o sujeito for mentiroso, é tudo mentira.

O quê? Como assim: “tudo mentira?”. Tudo mentira?… Preciso de um detetive de longe, alguém totalmente estranho, alheio.

Cuidarei disso. Mas antes, ouça, ouça, vagabundo! “Não fui eu que lhe ordenei? Seja forte e corajoso! “Não se apavore, nem se desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar”. Palavras do Deus por quem gritas no meio da noite.

Mentira! Não grito por Deus nenhum à noite. A Senhora tá usando alguma coisa. O que é? Dá um pouco? Queria ficar assim também, só por uns dias. Por favor! Nunca viajei assim.

Não estou usando coisa alguma além de meu cérebro, meus olhos e audição. É verdade! Verdade! Verdade! Há gritos e gritos assustadores, ofegantes, chega mesmo a engasgar no final. Tenho testemunhas. Eu escutei, todos escutaram. Deus! Deus! Deus! Ó, meu Deus! Três vezes Deus e, em seguida, Ó, meu Deus! Ó! Ó! ÓÓÓ. e ÓÓÓÓÓÓ… Muitos Ós.

Seei! Nem lembro o que falo nessas horas, isso é quando e e Bituca estamos f0d3ndo. Mas, me diga, tá vendo o Todo Poderoso por aqui? Não! E nem verá. Por quê? Porque é preguiçoso, orgulhoso, tem TOC, ou é esquizofrênico para… para NOIA! paranoico. Noiado, igual a Senhora, e muito polar, polar até as unhas; norte, sul leste, oeste… E tudo que é polo que dá pra gente imaginar. Salva, mata, culpa, inocenta, protege, abandona… Muito polar mesmo! Chega a gelar minha alma de tão polar que é. Uix! Sai! Sai!

Mas é muito fingido, esse mendigo farsante. Eu sei, Pinguelo. desde o começo, desde que chegou aqui, eu sei bem… Agora tenta me distrair. Sei com precisão quem faz parte da quadrilha, inclusive o Venâncio. Fingem que não se conhecem. Mas EU VE JOOI! Vejo tudo…

F0d3u! Se continuar, chamo o hospital dos doido. Quer saber? Tô confuso, tô fora… Salve!

Salve? Salve m3rda nenhuma!

Ei, Pinguelo! Está fugindo, infiltrado! Está fugindo Mafioso, perseguidor, sequestrador, assassino, torturador…

Volta, bandido! Volta Venâncio! Voltem os dois!…

VAI SE INTERNAR! Venâncio balança o rabo.

Bituca?… Quem será essa tal Bituca? Deve ser alguém que eu conheço. Mas quem? Quem se aproximou de mim nos últimos tempos? Ah, sim! SIM! SIM! SIMMM… A Olívia! A Olívia! A vagabunda da Olívia! É ela! Ela fuma duas carteiras por dia, e quando acaba sempre tem um saquinho de bitucas no bolso Fuma muito mesmo. Mais ainda quando chega para trabalhar daquele jeito estranho.

Como pude? Meus filhos estão em perigo. Essa bandida pode ter feito mal a eles. Como pude deixá-los sozinhos com uma estranha? Uma Bituca?…

Uma hora depois Olívia deixava a casa dos laranjais, seria a última vez que passaria por aquele caminho estreito e sombrio.

Por quê? Eu não fiz nada! Balbuciava imersa em sua perplexidade.

Claro que fez! Poderia até estar sendo usada, sofrendo ameaças para levar informações à quadrilha, poderia ser inocente de algum modo. Mas que conspirava, conspirava. Melhor será mudar de cidade, de estado, de país, de nome, de tudo! Esse inferno só piora. Quantos ainda virão?

Au! Au! Au!

Outro cachorro?… Não! Não! Não. Onde está o Venâncio? Lá vai a desgraçada encontrar o Pinguelo, o seu Pinguelinho, seu amiguinho cúmplice, o seu companheiro de oração. Preciso procurar o MP. Urgente! Preciso apresentar provas, Quem está acima de quem.

Voz! Minha amiga voz! Quem! Quem está acima de quem? Que cachorro é aquele?

- Dargô! Dargozinha! Não é cachorro, é gente, é um amigo do Pinguelo. Vai lá. Não vai querer sofrer as consequências, vai? Proteja-se, Dargô. Eu estou aqui. Eu estou aqui.