dpesteves

Demasiadas costelas tem Adão

As gentes não passam de gotas no mar

Pontos negros sob a pele das ondas e são ondas

São esse bulício inoportuno das manadas

São o pó estridente da areia mordiscando-me os poros

São os amores e traições baixo o guarda-sol

São estrias

são barrigas com curvatura

e são cicatrizes onde já não recordo

são sono? não, só modorra

são música batucada de fraca moral

e são qualquer animal que deia à costa

as pessoas também são o veleiro que rompe o horizonte

bem longe

quiçá um tresvario do calor

são os seios caídos com brilho de suor

são acne

e são lágrimas

são famílias numerosas em debandada

qual diáspora tardia

são cheiro a cocô, a morango e a sobaco

são más tatuagens com erros de ortografia

são sombras claras nos penedos

são a luxuria do pouco pano

são rostos descompostos pelo frio da água

e peles derretidas pela brasa do sol que aumenta cada ano

as pessoas são crianças abjuradas

e são bolas voadoras

e discos rodopiantes

e raquetes inquietas empinadas

e pás artesãs na planície

e castelos

e estátuas de reis

as pessoas são velhice moribunda

e são rugas obliquas

e alergias ao respirar

e livros molhados

e poucas palavras e partículas

são cabeças brancas ou calvas

são costas peludas de símio alopécico

são unhas de garra

e são falta de garra entre as algas

As pessoas são isto e são aquilo

E ninguém se importa com nada do que é

A gente não passa de lixo passageiro

De ruido e silêncio ensurdecedor

De desconcerto em qualquer acerto derradeiro

E não passam de pessoas

e todas elas estão a mais, sobrando ao disfrutar

um dia perfeito à beira-mar.