As gentes não passam de gotas no mar
Pontos negros sob a pele das ondas e são ondas
São esse bulício inoportuno das manadas
São o pó estridente da areia mordiscando-me os poros
São os amores e traições baixo o guarda-sol
São estrias
são barrigas com curvatura
e são cicatrizes onde já não recordo
são sono? não, só modorra
são música batucada de fraca moral
e são qualquer animal que deia à costa
as pessoas também são o veleiro que rompe o horizonte
bem longe
quiçá um tresvario do calor
são os seios caídos com brilho de suor
são acne
e são lágrimas
são famílias numerosas em debandada
qual diáspora tardia
são cheiro a cocô, a morango e a sobaco
são más tatuagens com erros de ortografia
são sombras claras nos penedos
são a luxuria do pouco pano
são rostos descompostos pelo frio da água
e peles derretidas pela brasa do sol que aumenta cada ano
as pessoas são crianças abjuradas
e são bolas voadoras
e discos rodopiantes
e raquetes inquietas empinadas
e pás artesãs na planície
e castelos
e estátuas de reis
as pessoas são velhice moribunda
e são rugas obliquas
e alergias ao respirar
e livros molhados
e poucas palavras e partículas
são cabeças brancas ou calvas
são costas peludas de símio alopécico
são unhas de garra
e são falta de garra entre as algas
As pessoas são isto e são aquilo
E ninguém se importa com nada do que é
A gente não passa de lixo passageiro
De ruido e silêncio ensurdecedor
De desconcerto em qualquer acerto derradeiro
E não passam de pessoas
e todas elas estão a mais, sobrando ao disfrutar
um dia perfeito à beira-mar.