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Hébron

Crônica da Adolescência

 

Vejo, a manhã esboça um aceno de despedida, deixando aromas e rastros de lembranças e saudades do que era real e imaginário de um tempo onde era tudo possível e simples, singelo e desafiante, com a força da natureza embalada na doçura de um espaço e de uma época quase perdidos nas minhas memórias pueris.

 

O sol ascendente já a pino castiga o chão, curte a pele, já não sou tão menino, já não sou tão criança, mas ainda brinco e não conheço a severidade da vida, não tenho ainda noção do que seja açoite, pois a púbere lembrança alcança apenas o ardor de arranhões em joelhos, a decepção por não ter um brinquedo.

 

No entanto, os sonhos começam a ter formas e compreensão, a vontade se eleva em desejo, a imaginação se multiplica em rompantes de energia, as emoções ebulem quase descontroladas, a personalidade se levanta vespertina na ida quase adolescente. 

 

O caráter toma contornos, com tons definidos das cores, dos brilhos e da vastidão dos mistérios guardados no inconsciente, que no curso do dia, no empinar do sol, vai se desvendando como perfume expergindo do espírito, ainda em descoberta de quem realmente é, enquanto as sombras se esquivam aguardando o momento de ganhar formas.

 

Estava tão envolvido com uma irrelevante fantasia que nem tinha percebido minha fome que já me corroía as vísceras e estrondava na barriga, minha agitação se traduzia em um apetite imenso e exigia constante restauro energético, normalmente em considerável volume, nesse começo de tarde.

 

Meu mundo começa a ser menos abstrato, menos lúdico, minha atmosfera ganha densidade nesse avanço da idade, uma sensação de cristalização da fantasia, que a cada momento parece mais distante, ao passo que o sabor de questionamentos salivam meu paladar em mutação. 

 

É como o caule tenro e verde de uma jovem árvore evoluindo em tronco para sustentação de uma futura copa, de expectativa frondosa e sonhos de céu,  características de toda mente infantojuvenil. 

 

Antes, na meninice, meu mundo era gigantesco dentro do cerco do meu quintal, no lar seguro que me guardava e quando me apercebo, repentinamente, esse mundo se estende e se expande rompendo fronteiras num grito, dizendo que a vida é muito além da minha infantilidade de refúgio, trazendo uma sensação paradoxal de expansão e retração simultâneas, quando o mundo se amplia à minha frente e em minha mente, enquanto se atrofia a ludicidade própria da inocência. 

 

O mundo se transforma e eu me transformo ao ponto de não  mais me reconhecer e tantas vezes sequer me aceitar, deparando-me com conflitos e desafios que não imaginava e não compreendia, tudo era intenso, o amor, a ira, a coragem e o drama.

 

A fé era presente, mas meu mar agitado pelas gigantescas ondas das minhas emoções me desancorava numa instabilidade e me lançava náufrago em incertezas muitas e tantas vezes, e na ânsia por um fôlego a mais eu me encontrava sempre, resgatando-me em cada indagação pelo fio instintivo da preservação da vida e sobrevivendo a cada tormenta, crendo na bonança que no horizonte do sonho germina. 

 

O sol em claridade alcança seu ápice, com o calor exagerado e meu drama exacerbado nesse tempo de encontros comigo mesmo e descobertas de mim.

 

O avanço do dia rumo ao entardecer aquieta meu fulgor, equilibra meu ânimo e esse curso de tempo me oferece o alimento imaterial da experiência para entender o mar revolto, que era apenas a ilusória e pungente sensação heliocêntrica e falta de compreensão e dos egos em tumulto de um ser em maturação para a misteriosa e cobiçada maturidade.

 

E o sol brilha, já ultrapassando a metade do seu arqueado trajeto entre o nascente e o poente, já tombando a sombra na superfície para o leste.

 

Um turbilhão de natureza básica ainda me rege nessa transição, meu olhar está ávido, meu pulsar açodado por paixões fugazes e algumas com promessas de perenidade.

 

A criança adormecia no meu embalar sísmico já no meio da tarde, a puberdade arremessou-me no abismo, constrangendo-me a voar nessa adolescência e me elevar nas alturas da jovialidade ao ponto de vislumbrar a última e mais distante linha do olhar que guarda o adulto com os braços abertos a espera de um abraço...