Chico Lino

POEMA CRÔNICO

POEMA CRÔNICO
Chico Lino

Um homem vai à roça
Passa todos os dias por um caminho
Onde uma ponta aguda de cipó
Quase lhe fura os olhos
Ele abaixa-se e diz
Um dia alguém irá furar os olhos
Neste cipó

Até que num triste dia
O sabido cipó
Cega um de seus olhos
E ele exclama
Eu não disse que um dia alguém
Furaria os olhos neste cipó?

Assim como neste fictício preâmbulo
Agimos em relação à Terra

Quem grita contra o assoalho
Feito de peroba
Lindos móveis de jacarandá
Jequitibá que adornam seus lares?

De Colatina Velha
Às margens do Rio Doce
Lembro-me de toras boiando
Para as vorazes serrarias de Barbados

Dinheiro nadando
Progresso, fartura
Quem se deu conta
Que depois daquele meandro
Surgiria o mar de lama em que nos afogamos?

Temos milhares de neurônios
Mas usamos só os roedores
Tico e Teco

Misóginos
Matamos mulheres e homens
Em nome da rosa

Como no filme, o prepotente fala:
\"Eu trabalho na Vale do Rio Doce\"
Queria comer
A personagem de Fernanda Torres
Não amamos
Comemos

As empresas nunca pagaram seus crimes
Não pagarão
Contestarão num labirinto de recursos
Até cair no esquecimento
De outra carnificina na Europa
Ou sei lá o que
Na América

Sem problemas
Em salvar sua estirpe

Os donos da Vale
Baterão o pó da Terra
Dos sapatos de couro
Do último jacaré
Numa jornada de primeira classe
Rumo a um novo empreendimento

No Planeta Marte


- In Sentimentos do Rio Doce, 2016