Doloroso

O quintal sem árvores da tua casa (Pela fresta da cortina)

And you wonder why go on

To a bleak and lonely place

But I loved everything there was here

There was I time I knew

There was I love I saw

There was a life I knew

 

(...) 

In a place of dying light

Where the suns have gone

I loved everything there was here

(...) 

(Jean-Michel Jarre / Richard Melville Hall) 

 

Kan du se meg-

Du vet jeg har gått meg vill

Hva brukte jeg livet til

Hvor har jeg vært

Følg meg

Led meg

Hvorhen du enn vill

(Morten Harket)*

 

 

Agora, olhar para o poente é observar o vazio; 

Contemplar o que deixou de existir, 

Mas se coloca onipresente, onipotente, 

Inconsciente de meus padecimentos, 

Atropelando meus sonhos, 

Expondo meus pesadelos. 

Agora, o olho que era vivo e cintilante,

Que tinha na retina o brilho dos tesouros do mundo;

Olho cujos segredos cegavam de desejo e mistério, 

É apenas um buraco negro sem sentido de uma terra extinta

Exibindo a opacidade do universo,

Um espaço onde a existência foi engolida pela ausência. 

Agora, as ruas por onde passava o cortejo

De proibidas e inimagináveis delícias;

Onde os rastos do desconhecido embriagavam com mística coreografia, 

São vias abandonadas onde a morte sequer pousa os olhos;

De onde os cães carcomidos de lepra fugiram em desatino;

Onde devaneios vagam desesperados à procura de um funeral, 

E o bafo quente da quase primavera 

É o que restou de um perfume jamais aspirado. 

Agora, um novo sol que eu nunca havia notado antes, 

Através da fresta da cortina, 

Brilha em noites de densa treva e agonia sem fim,

Criando um novo oriente, uma nova e insuperável luz, 

Sufocando o astro original, superando-o para sempre. 

Agora, esse novo ponto cardeal me engole e regurgita diariamente, 

Desorientando-me em uma vida fracassada e erguida sobre ruínas 

Que jamais serão escavadas ou reconstruídas;

Nem recontadas pela humanidade. 

Agora, o ouro de tuas janelas murchou, 

Desbotou, secou, foi ao solo 

Sem que uma só lágrima fosse derramada.

Fantasmagóricos seres retorcidos tomaram seu lugar... 

Agora só existe a pobreza, a fome, a agonia;

Agora, a opulência regiamente compartilhada 

Consiste apenas de lamentos,

E as árvores, cadavéricas, anunciam esquálida profecia... 

Agora, os sonhos mortos, sepultados;

Velhas recordações mofadas, 

Vivas, envoltas nas teias de aranha de meus dias, 

Ressurgem como um sol ofuscante 

Que oprime e comprime com sua luz estéril, 

Cujo frio glacial de suas mórbidas manifestações 

Queima olhos tão sofridos quanto inúteis 

Quanto cansados... 

Agora, a imaginação em seu trabalho inerte e repousante

De conceber fantasias que machucam e tentam confortar, 

Passa a ter que agitar-se em hercúlea fúria 

Para prever os movimentos de uma dança 

Que desespera e entorpece... 

Agora, não mais te ter perdida pelo universo, 

Mas saber-te tão perto

Quanto chamar à porta, 

E tão distante 

Quanto a mais remota das galáxias. 

Agora, velhas dúvidas cristalizam-se no horizonte das memórias

E novas incertezas vem turvar a límpida realidade

Com a certeza de que um demônio 

Espreita em horas suspeitas e imprevisíveis. 

Agora, sei onde não comes

E onde dormes. 

Sei quando a água purifica teu corpo

Num banho de luz e vapor mágicos 

Que o divino e o etéreo caem por terra

Como tijolos de urânio e desalento... 

Agora, imagino um sono 

Que pode estar perdido em noites em claro de revolta, 

E durmo atormentado 

Em imaginários braços e lençóis, 

Na nudez de uma liberdade libertadora. 

Agora, o perigo distante, a morte longínqua;

A falta do que se perdeu 

Sem jamais se ter tido;

A dor latente 

De um espinho cravado, 

A enlouquecer a cada pulsação, 

Veio respirar meus ares podres, áridos e desolados;

Veio correndo se esconder

De se molhar na chuva de minhas lágrimas... 

Agora, um desconhecido infinito, 

A única felicidade conhecida  possível e impossível, 

Reduzido à claridade de uma janela - 

Acesa em horas mortas; apagada quando deveria cintilar em noites banais - 

Veio morar perto. 

Agora, a fera que me devorará está à porta... 

Agora, a ave de rapina agarrou sua presa. 

Agora, eu vislumbro os olhos vermelhos do verdugo 

E sinto o hálito de sangue

De suas vítimas, 

De mim... 

Agora, estou diante do último e mais cruel suplício, 

Que nem de longe é o último nem o mais cruel suplício. 

A fria e impiedosa lâmina da vida 

Tocou meu pescoço. 

Agora, temos o mesmo caminho

Mas não a mesma direção.

Agora, nos escondemos no mesmo refúgio

Mas não com o mesmo medo. 

Eu me isolo em meus pesadelos;

Tu te esgotas languidamente em teus sonhos. 

Agora te verei sendo feliz ao meu lado,

Mesmo não estando eu ao teu lado,

Mesmo não sendo eu o teu lado...

 

 

*Você consegue me ver-

Você sabe que eu me perdi 

Com o que eu tive em minha vida 

Onde eu estive 

Siga-me 

Conduza-me

Para onde você quiser 

(tradução livre do original em norueguês)