Looking down on empty streets, all she can see
Are the dreams all made solid
Are the dreams all made real
(Peter Gabriel)
(...)
There\'s so many people that you knew
To understand everything you do
You\'re too far ahead now to need them
They live on the streets, you can\'t see them
The small and the crushed and the helpless
The weak and the cruel and the useless
(...)
(Tim Whelan)
The punishment sometimes
Don\'t seem to fit the crime
(Joe Perry/Steven Tyler/Desmond Child)
Céu e terra se encontram no horizonte
E se beijam diante de longínquas testemunhas.
O azul tão claro traz pensamentos amargos
Que o negror tempestuoso tenta em vão adocicar.
No céu tão imenso não cabe tanta tristeza,
Mas os limites do mundo aprisionam uma agonia sem fim.
Se o pássaro tem a posse do espaço infinito,
O verme tem que rastejar entre os cadáveres.
No céu, os mais sublimes aromas.
Na terra, só a podridão…
A cidade e o campo são o pano de fundo para a dor e o pranto.
Por ruas e estradas desfilam as mazelas da alma.
Cidade e campo refletem prisão e fuga.
As ruas - labirintos;
As construções - grades.
Ambas prendem a alma a um castigo sem fim.
Nas paredes da cela a constante lembrança
Da injusta condenação.
Nos muros do cárcere a cruel tortura:
O ar proibido de respirar.
No campo a liberdade sem valor:
Pernas livres para correr, fugir;
Imaginação sem correntes para sonhar.
Coração autorizado a saltar no vazio;
Olhos desimpedidos de chorar.
Cidade e campo se completam
Em não dar sentido a mais nada…
Poeira e pedras pelo caminho;
Tropeços de quem erra sem destino.
Ardência nos olhos pelo pó das desgraças
E os pés feridos pelas navalhas do chão.
Alguém, leve como o vento,
Espalha as partículas de sonho, desejo e dor
Que sufocam o peito,
Do mesmo modo que um espírito travesso
Esparrama seixos de amargura e lágrimas
Que tombam o viajante.
Nas vestes, a poeira de estradas tão desoladas!
Curvas não percorridas…
Os bolsos cheio de pedras
Traduzem uma miséria incalculável…
Seres vagam sobre a terra…
Anjos e demônios, nomearam os homens,
Que adoram uns e amaldiçoam outros.
Seres assombram os caminhos…
Uns pela beleza e superioridade,
Outros por estarem irremediavelmente perdidos.
Longos cabelos negros vitimados pelo vento
Sobre colunas impecavelmente construídas
E adornadas com panos coloridos e reluzentes
Evidenciam a libertação dos flagelos,
Livres para correr a terra,
Atormentar os fantasmas.
Era o tempo da guerra para os Romanos,
E criaturas que se escondiam nos arbustos ao longo da estrada
Confirmavam que demônios são os que devem fugir
Para não serem massacrados
Pela impiedosa felicidade dos anjos.
O bem anda pelas ruas
Trazendo infortúnios às almas penadas
Que, sem túmulos para se esconderem,
Habitam as ruas, as calçadas,
Soluçando suas mágoas e praguejando o vento.
O mal, tão vasto mal,
Está no espinho da bela flor
E no universo interior de cada ser humano.
Ele é o que é feito
E o que é sentido.
O mal é o cenário do mundo
Por onde o bem passeia inocentemente
Distribuindo suas maldades.
Salvação e perdição caminham de mãos dadas
Desgraçando a humanidade.
Não há salvação que livre da falência da existência de padecimentos,
Como não há existência malfadada
Que não se agrave ainda mais diante de uma condenação divina.
Não há fim para a extinção do bem.
A salvação é uma esmola que ilude os tolos:
Perdas sentidas e lágrimas derramadas não serão reparadas.
A perdição é um sorriso amargo de uma certeza;
É o pagamento justo, combinado, mas recusado de última hora
Após uma vida porcamente engrenada.
Louvor e blasfêmia perambulam pela cidade
Confundidos num único cântico.
Espectros em trapos de emoção e insatisfação
Bendizem toda doçura que escorre pelos dedos
Extenuados pelo esforço inútil de tentar segurar o perfume das estrelas;
E amaldiçoam o dia que pisaram na terra,
A surdez,a teimosia, a perversidade de Deus;
O próprio Deus.
Blasfêmia é um fogo que espera ser apagado
Com uma chuva de louvores
Na hora arrebatadora da cobiça.
Mas, se aos olhos restou apenas contemplar o louvor,
Que como o vapor subiu ao céu e dele se apossou,
À boca sobrou o monótono murmúrio das blasfêmias,
Semear grãos estéreis na areia.
Alguns sonhos se tornam realidade,
Materializam quimeras que são tocadas pelas mãos,
Mas sonhos, os desgraçados combatidos com covardia,
Se convertem em espirais de pesadelos
Dos quais os desafortunados não se livram jamais.
E se tornam sua infeliz e imutável realidade…
Caprichosamente, a realidade da vida
É a realidade da morte.
A realidade que passa diante dos olhos
É um sonho que se esvaziou,
É ave que voa em silêncio
Indo e voltando do ninho,
Nada se importando com quem a admira do chão.
Pálidos ou coloridos, os sonhos sempre desaparecem
Em onírica realidade ou tormentosos pesadelos.
Alegria e dor compõem as vestes dos que nascem.
Andrajos que os cobrirão até a morte.
Os prazeres, tão pobres, se desfazem em farrapos
Que se encardem bem nojentos,
Enquanto a dor, as desilusões e as tristezas
São os trapos que restam para cobrir as vergonhas.
Cobertos de retalhos mal cheirosos,
Admira-se os que passam em finos trajes de felicidade e glória.
Quem é o alfaiate que os vestem?
Ah, poderoso e injusto tirano!
Quais critérios usa para banhar de alegria uns filhos escolhidos
E cobrir de dor e chagas a alma de outros tantos?
Por que, na sua conta corrente,
A justa medida da alegria de um
É a mesma em tristeza do outro?
Não é porque é justo. É porque é mau.
Alegria e dor: em ambas
Sente-se o peito correr,
O desespero roçar o manto da loucura…
Mas a dor é como um laço que aperta o pescoço
Em cada encontro com o pesadelo.
Se do defunto o que fica são os ossos,
Da vida só o que permanece é a dor.
O frio castiga o corpo;
Mais ainda a alma.
Não há agasalho deste ou de outro mundo
Capaz de aquecer os seres
Que andam nus na fria chuva da indiferença.
Esse ar gelado que sopra do oeste
Varreu para bem longe a tranquilidade,
E congelou eternamente a razão,
A humildade e a esperança,
Produzindo assombrações enfermas de qualquer virtude,
Doentes de querer o perdido e recusado.
O calor insuportável que queima o cérebro,
Queima também as horas de falsa paz,
Errônea impressão de que toda crueldade abandonou definitivamente
Os eternos moribundos.
No mundo estático do sofrimento,
É impossível classificar o clima,
Agasalhar-se do frio e aliviar o calor.
A vida, ah, a vida…
Esmola irrisória pela qual tantos lutam.
Palco de uma farsa tão grotesca quanto cômica.
Tantos a adoram… todos talvez.
Mas poucos percebem que é um caminho
Repleto de armadilhas, joguetes inescrupulosos,
Falsidade e hipocrisia;
Paupérrima de recompensas.
Aqueles que ferozmente a defendem como uma rica jóia dada de presente,
São pobres alienados como gado domesticado
Que não se dá o trabalho de questionar a rudeza do torturador.
Para eles,tudo é justo e perfeito;
Tudo está no lugar.
São loucos os que pensam diferente,
Só porque viram - deliberada ou acidentalmente -
Debaixo do vestido da meretriz
E perceberam a origem de tudo,
Inclusive das desgraças?
A morte é a irmã enjeitada,
A parenta a qual todos querem evitar.
Todos a tomam como velha desdentada e decrépito
Que tenta dar seu beijo de hálito podre.
Não percebem que todos já nasceram mortos
Porque vieram de um criador
Que escraviza tudo para si.
A diferença é que alguns, muitos,
Carentes de um afeto tão pequeno mas particular,
Vêem no carinho da velha bondosa e democrática
O afago que não tiveram da \"tão linda e virtuosa\" vida.
E, ávidos, buscam-na e tentam se agarrar a ela
Como a última tábua de salvação.
Porque livres das correntes que prendem a tão desgraçado mundo,
Como fumaça se pode voar para outras terras,
Outras eras,
Onde, quem sabe, numa paz de ruínas cemiteriais
Se possa ter o sossego para prantear
Livre de visões que apunhalam,
E se entregar à dor perpétua.
As ruas se livraram dos anjos,
Diferente do deserto,
Que guardou as serpentes.
Elas reaparecerão para lembrar aos que esquecem
Que viver é rastejar sobre ilusões,
E o que se sente através da língua bifurcação
É o odor melancólico e nauseante
Dos sonhos dissolvidos pela vontade amarga de Deus,
Transformados em húmus
Onde crescem todas as desgraças do mundo.