Lisafitz

(ex)cria(dor)

Ainda lembro da vida exígua viajando para longe do meu ventre, longe do seu corpo. Lembro do cheiro putrefato exalando do que um dia fora um lar. Não ignoro o fato de que minha escolha de ser mãe ou não me fora roubada, mas ainda assim, fui. Ou sou? 
A expectativa já tinha levantado do âmago do ser, já tinha se enraizado pelas paredes da alma. 
Agora era apenas isso, expectativa. Mas em outra forma, pó. Poderia vender pó de expectativa na mercearia da esquina? Se sim, avise-os que no meu corpo também há estoque. 
Como seria o olhar, o temperamento? Gostaria de sentir o barro molhado sob seus pés quando fôssemos passear numa tarde chuvosa de verão? Agora irá senti-lo sobre o próprio corpo. Ou não, o espírito já estaria pairando sobre um campo verde nesse momento, numa dança descompassada com o vento que o sequestrara da cova. Mas e se não estivesse num campo verde? E se estivesse, neste momento, sendo consumido pelo fogo eterno? Dia após dia, aurora após aurora? O tempo existe no inferno? Faz sentido que esteja lá, era uma criança bastarda celestialmente, se assim posso dizer. Não fora batizado, não teve o corpo banhado pela água santa. Talvez eu devesse regar seu túmulo com a água que fica na concavidade da igreja. 
.
Não muito após o aterramento do corpo da cria, o homem me acaricia com o quadril. Quero regurgitar, não apenas o alimento, mas palavras carregadas de ódio, amargura e tristeza profunda. Virada, despida, massageada e preenchida. Por ele que anseia plantar outra semente no meu íntimo, almejando que vingue e floresça desta vez. Se eu desejar que apodreça para que não conheça seu provedor terei um lugar no antro do fogo junto de meu primogênito mórbido?