Eu vi a bruma proibida que recobre o leito
E seu brilho adamantino de um orvalho sem igual.
Eu a vi esmaecer descortinando uma imagem cristalina de paraíso.
Eu vi o toque macio de pétala de rosa
Exalar um perfume que a natureza se esforça debalde para imitar.
Eu vi as moléculas de aroma
Brotando adocicadas em cada poro.
Eu vi cada um deles
Ainda cobertos pelo misterioso pudor,
Depois revelados pela santa permissão.
Eu vi como nasce cada raio de sol,
Suave e pueril, antes de virar o fogo mortal
Que incinera cada uma de minhas esperanças...
Eu vi o balanço do mar;
Do mar de delícias,
Das ondas que afogam os desejos e os desvalidos
Numa morte que iguala a todos
Num desaparecer para a eternidade
E num existir sem fim.
Eu vi onde se segurar na louca tempestade,
Só não vi como se salvar.
Eu vi a fúria inclemente
E a mansidão de mãe que acolhe nos braços;
Um abraço de fim dos tempos...
Eu vi a serpente criança
Que enlaça dando todo amor que existe no universo,
E o frenesi que esgota todas as energias,
Deixando em seu lugar
A exaustão e a completa plenitude;
Todo o sentido da existência.
Eu vi a língua bifurcada, lambida da perdição;
Um riso esmagando o mundo inteiro,
A destruição completa, a desgraça...
Eu vi as asas de anjo em costas tão frágeis quanto belas.
Eu as vi baterem formosas
É agitar a brisa da primavera
Num sorriso perolado tão lindo
Que entristeceria o deus mais bufão.
Eu vi o olhar mais puro, guerreiro e indiferente do querer...
Eu o vi olhando para atravessar a rua,
Encarar o horizonte,
Lançar desprezo em vazios cumprimentos,
Enxergar apenas seu desejo,
Destruir o mundo ignorando-o.
Eu vi o olhar de nuvem passageira
Que nem chuva deixou.
Olhar de noite iluminada sem fim;
De noiva eternamente em direção ao altar...
Eu vi o olhar que, tentando esconder,
Tudo revela.
Olhar que, como música,
Preenche todo o espaço.
Olhar que convida a dançar
O sonho doce da vida.
Tudo isso eu vi;
Nada disso eu senti.