Doloroso

Mortos Insepultos (O vento nas árvores do quintal da tua casa/Misericórdia!?)

Minha felicidade não reside em mim. 

Ela não veio para este mundo comigo 

Para ser o corcel alado

No qual eu percorresse os campos da bem-aventurança. 

Antes, aquilo que seria para me fazer feliz 

Veio a ser algo que eu devesse procurar num quarto escuro

Tal qual um físico lunático e multiplégico, 

Sabendo de antemão se tratar de uma partícula que não existe. 

Eu encho meus pulmões com ar invisível e existente

Como antes enchia meu cérebro de uma quimera visível mas inexistente. 

O ápice de minha alegria é não existir para mim;

É cruzar os céus de meus pensamentos 

Como nuvem que nunca chove, 

Que não há . 

Minha alegria circula pelas ruas 

De mãos dadas com minha tristeza, 

E vem sempre me contar por onde andaram. 

Assim como o vento, ela vai de um canto a outro 

Não respeitando paredes, obstáculos e proibições. 

Apenas repele a minha presença 

Como a lepra repele a beleza. 

Voa como pássaro pelo céu sem fim

Aprisionando-me no inferno das amarguras. 

Bate suas asas longas, belas e fortes

Com a delicadeza do beija-flor 

E a agilidade e a imponência da águia,

Soberana absoluta das alturas dos sonhos proibidos

De quem rasteja no solo enfadonho do submundo dos pesadelos. 

 

Negros olhos abertos trazem as trevas para a vida. 

Mesmo quando há luz dentro deles

Irradiando feixes luminosos de um sol tão longínquo quanto belo e inatingível,

Aqui fora a escuridão é tamanha 

Que parece sólidos blocos de dor e inconformidade 

Caindo sobre a cabeça, 

Ferindo pensamentos, 

Imobilizando a já combalida existência. 

Viaja num átimo a imaginação sem freios 

A visitar palácios onde reina a opulência; 

Onde um fluido ininterrupto de tudo que magoa 

Desaba como catarata mortal 

Afogando sempre e sempre - sem cessar-

Quem ousar conceber o sorriso de anjos escolhidos. 

Salões de mármore e cetim, 

Toque de seda e amor, 

Risos e esperanças concretizadas, 

Em contraste com o imundo chão de fábrica depauperado, 

De ferramentas feitas de paus e ossos, 

Tão singelas quanto inúteis, 

Preparadas por seres pré-históricos, pré-existência, 

Anteriores à invenção de Deus. 

O soalho é coberto de lama e lodo verde e podre;

Os pés já não sabem o que é estarem secos e aquecidos.

Mas nos ladrilhos de riqueza e satisfação,

Os sonhos preliminares brincam como filhote mimado, 

Sem mais se lembrar de como foram idealizados. 

Delicado par de pés se acomoda em noites de tórridos verões de opressão 

E em ternos invernos de pública intimidade que martirizam... 

 

Meu sonho não era o teu sonho. 

Nas viagens de teu mágico sono, 

Eu não era o destino. 

Tua morte em crisálida 

Foi o meu definitivo adeus a esta vida. 

Teu túmulo, vazio de teu corpo, 

Ocupou meu peito com uma dor imorredoura. 

Em minha morte, tu és quem me assombra

Com tua ausência tão presente, profunda e densa. 

Teus cabelos negros arrastaram o sol e as estrelas 

Para infinito vácuo das ilusões, 

Onde sufocam os sonhadores. 

Teus olhos brilhantes e as pérolas de teu sorriso 

Trouxeram as trevas para meu vale árido. 

Tua luz é como asas abertas

Espalhando a escuridão:

Negra cortina bordada de estrelas ancestrais...

Teus braços repletos de vida e abraços

Acolhem meu destino mirrado em abandono; 

Dão guarida à minha solidão, 

Ruína ignorada num recanto de existência não mais visitado,  

Onde o sombrio sol do meio-dia 

E a chuva ridicularizada por querer ser tempestade 

São os parcos pertences de um pobre Deus limitado a crenças humanas.

Vagando a esmo no ermo canto da existência, 

O que sinto é a tua ausente presença,

Teu olhar mágico distraído,

Concentrado em destruir amores de que não precisa;

Desejos que são como bibelôs desprezados

Numa loja falida e empoeirada. 

 

A máquina que rasga o céu noturno

Revela um brilho pulsante, distante, enganando a escuridão, 

Mostrando que na imensidão vazia

Pessoas flutuam envoltas em aço e vácuo,

E mudam de lugar, de destino, de dimensão,

Sem que de mim se desloque a dor de um desejo sufocado. 

Meu coração procura respostas

Em papéis jogados na rua, 

Que buscam na poeira algo que lhes dêem sentido.

Minha mente procura um vazio

Que dê sentido ao que trago dentro de mim. 

As poeiras esquecidas sem resposta

Num espaço sem céu, ausentes de mim, 

Dão sentido à tristeza - envólucro de minha vida - 

E preenchem minha mente, 

Respondem às batidas do coração... 

 

A delicada perfeição de uma nuvem 

Toca as ruas e calçadas em um amanhecer que não tem fim... 

No sorriso de uns lábios a sussurrar segredos numa caixinha,

O mundo se faz e se perde para sempre.

Tão alvo arco-íris! 

Anjo que conhece o pecado

Sem conhecer uma mágoa sequer

Faz mover o ar que interrompe o mundo.

Mãos que destilam o perfume das flores permitidas e imorais 

E engendram em seus mistérios e secretas revelações 

Todo o sonho que caminha sobre a terra, 

Todo o desejo mais simples, 

Toda confissão que se calou na infinita impossibilidade...