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O Hecatombe

Meu Anti-Auto

(Inspirado no Auto da Lusitânia, por Gil Vincente)

E os infernos pasmados
De tanta feitiçaria,
Vão-lhe pecar cada dia
Em todos os sete pecados.

Em missão serão mandados
Belzebu e o condenado,
Dinato, demônio de bom grado,
Escrevei a Satã e todo reinado.

Num quarto avulso ao escuro
Roga, menino astuto,
Empunha faca e pano frágil
Bem como o próprio braço, eis o presságio:

\"Dinato, esta é boa experiência
Não te acanhe na caneta, traça sem desdenha.
Observa à frente 
Tal pobre menino e carente,
Com a lâmina dança, 
Escreve, amigo, antes da matança.\"

\"Que é de mui arroubo, amigo de tortura?\"
\"Vê o aço como escorre?
Sobre corpo assim tão jovem?\"
\"Como pode em consciência
Esse pobre amar a dor
Mais que sua essência?!

Curioso estou, mais com o riso.
Louco! Sem sentido! 
Como ri cortando-se como um arame liso?!
E o piso mancha! Com tinta de improviso.

Encarregados somos nós dessa dor,
E continua o petiz! Somos nós o espectador!
Não tem medo. Não teme nossa presença!
Enviados de Lúcifer! Cesse a ardência!\"

\"Cala-te, demônio como eu,
Deixe que sangre até o apogeu!
Cumpra! Escreve até pesar culpa!\"

\"Belzebu, eu respeito tu!
Mas o jovem em frente se castiga!
Não foi traíra! Não tens culpa! É mentira!
Larga a faca, chora, mas não se mutila!\"

Dinato aparece coberto em veste,
Toca o jovem, esperançoso que o convenceste.
Porém este, teme tal figura
Em surto desespero, prepara o ferro
Como um novelo, aproxima-o singelo
Puxa tal cutelo, corta-lhe a jugular, se torna etéreo.

E o sangue avermelhado
Sobre o criado, é espalhado no quarto.
Dinato chora, castigado.
O outro, farto.
Larga seu amigo ali, desmantelado.

\"Avisei-te, sem me acobertar
Que perante o que hão de nos dar
Cumpre o que tínhamos de alegar,
Pois para provar o certo,
Escreverá ainda tu quando pranto passar.\"

Enfim, ri-se a orquestra infernal estridente,
E do relato fantástico a serpente
Faz doudas espirais!
Qual um sonho dantesco demônios leram!
Gritos, gargalhos, preces ressoaram!
E riu-se, o Satanás!