Gustavo de Andrade

Manhattan

* * *

Minha casa em Marte
está em frangalhos,
mas só percebe quem não a vê.

A morte sussurra em toda parte,
e os pássaros cantam pra ensurdecer.
Sangue cobre o assoalho.

Um rio de pólvora desemboca
no oceano de risadas que,
distante, faz troça de tudo
que eu nunca quis ser.

Eu plantara peste e coca,
engarrafara as fadas e
tive, finalmente, o meu mundo
antes da vida anoitecer.

Não sou azul,
nem doutor,
tampouco cru
ou trabalhador,
nem sou de cu

e chego a mudar de calçada quando aparece uma flor.

Nasci para matar, foder, crescer, olhar, contar,
mas enxergo em minha imagem a violência de tudo que eu não soube amar.
Você, você, você, você,
todos vão morrer
mas eu não, já passei dessa fase
e nenhum abismo jamais vai me prender
(de novo).

Tenho o nome de uma constelação
que ninguém enxerga sob a poeira da cidade,
e por isso me mudei e construí
uma nova casa morta e viva e quântica.
Ela não é vermelha.

Faço o que quiser com o meu sangue e a minha peste,
mesmo troça, gozo e livros,
e não vou mais esperar morrer para que venham
se maravilhar
com minha casa bonita e sempre vivíssima e agradável
e purulenta e gordurosa e lasciva
e única e inspiradora e louvável
nas planícies eternas de Marte.

Desejo que ninguém deseje mais
a minha morte,
e não espero mais
o olhar para que eu aprenda a ler.

Por toda parte há cicatrizes,
e eu nunca fui cortado,
mesmo quando quis (sonhei?).

Guardo uma eterna que me lembra
que meus machucados têm sentido de justiça,
e que luto sempre pela minha liberdade,
não finitude.

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E, de repente,
tudo está no planeta vermelho
e eu nunca quis que não.