Por uma estrada bonita,
Ia um menino a cantar
Alegre, igual passarinho,
E ouviu alguém lhe chamar:
- Menino louro, menino!
Aonde vais depressa assim?
Vem aqui por um instante,
Descansar não é ruim!
Tenho bolos de farinha,
Também tenho leite e mel
E te darei tanto ouro,
Quanto caiba em teu fardel.
- Agradeço-te, mas não posso,
Demorar um só instante
A hora está avançada,
Tenho que seguir adiante.
- Aonde é que tu vais,
Com esse andar tão ligeiro
Que sequer podes ouvir,
A quem quer te dar dinheiro?
- À escola! Vou estudar,
Obter conhecimentos
Para quando envelhecer,
Não me perder em lamentos.
- Graças a Deus, eu sou rico
E nem preciso estudar,
Vivo coberto de ouro
Jamais irei trabalhar.
Que me importa uma planta
Ou uma estrela que brilha,
Se eu tenho muitos escravos
Que abrem a minha trilha?
Vivo cercado de gozos,
Neste palácio imponente
O que aconteceu antes,
Para mim é indiferente.
Já que sou tão rico assim,
Por que vou me preocupar?
Eu tenho pena de ti,
Morrerás a trabalhar!
Anos depois o moço louro,
Retornando à casa dos pais
Resolveu dar uma espiada
Nas belezas colossais.
O monumental palácio,
Que causava até assombros
Transformara-se em ruínas,
Restavam só os escombros.
Então ele se lembrou,
Do menino que o chamara
Sem saber que a fidalguia,
Em penúria se tornara.
Procurou os muros fortes,
Só encontrou destruição
E um alquebrado pedinte,
Com um caneco na mão.
- Por Deus, dê-me uma esmola,
Estou morrendo de fome
Sofro muito... Nada tenho,
Esqueci meu próprio nome.
- Cadê aquele palácio
E as muralhas que o cercavam?
O sítio, as belas árvores,
Que tão bem o ornamentavam?
- As águas tumultuosas,
De um maldito inverno
Levaram-no... E transformaram
A vida num triste inferno.
Quem o visse assim tão belo,
Julgava-o bem construído
Foi-se por ladeira abaixo,
E tudo ficou perdido.
- E onde está o menino,
Que no palácio habitava
Que por ser podre de rico,
Com estudos não se importava?
- Aquele esnobe, orgulhoso,
Pede-te, agora, uma esmola
O que tinha, as águas levaram,
Não restou uma sacola.
Em um mundo de riquezas,
Coisa alguma eu aprendi
Mas, para o meu desencanto,
Tudo o que eu tinha, perdi!
O moço louro ao ouvir,
Aqueles tristes lamentos
Bendisse a Deus pelos pais,
E por seus conhecimentos.
Relembrou todas as noites,
Que passara estudando
E saiu, rendendo graças,
Feliz, alegre e pensando:
“A fortuna que trago comigo
É o verdadeiro tesouro!
Tenho pena do menino,
Que acreditava no ouro.”
Este cordel, de minha autoria, é baseado no conto \"Os dois meninos\" de Henrique Maximiniano Coelho Neto (Caxias/1864 - Rio de Janeiro/1934), escritor, cronista, folclorista,romancista, teatrólogo, crítico, político e professor , membro da Academia brasileira de Letras - fundador da cadeira de número 2, considerado o Príncipe dos prosadores brasileiros.
Maria Do Socorro Domingos
João Pessoa, 09/02/2016