epitáfio
sentado diante da chama da vela,
que trêmula se esforça em vão
em segurar a gigantesca escuridão
que invade o quarto pela janela.
reflito sobre minha existência,
penso no fim que me espera,
mas nem isso me desespera
e aceito tudo como penitência.
no universo tudo tem um fim,
essa verdade me consola
a culpa não mais me assola
mesmo errando dei tudo de mim.
encaro o fardo desta ferida,
besta que a carne me devora
chupa os ossos sem ir embora
sugando o resto da minha vida.
o verme cravou a sua semente,
doente, em mim mesmo sou eremita
meu cérebro carrega um parasita
e ele ao poucos me deixa demente.
vai apagando minha memória
transforma tudo em tormento
sabendo que a qualquer momento
serei riscado da minha própria história.
não consigo mais raciocinar
todo pensamento é incoerente
e digladiando com minha mente
não lembro mais como rimar.
mesmo depois que eu virar pó
meus versos ainda existirão
que estive aqui alguns saberão
que vivi, que amei e terminei só.
na lápide merece só um verso
num último ato de despedida
que através da poesia teceu a vida
o poeta sem fé e inconverso.
“aqui descansa um poeta maldito
que escreveu o que pensava
achando que sempre acertava
e que falou sem nunca ter dito”.
e de súbito a dor termina
quando a vela se apaga
me libertando dessa praga,
então, a escuridão enfim domina.