Ao m\'emcontrar em meu umbral etéreo,
vangando co\'s oníricos perdidos
De minha psique, em meus suspiros,
Tento entender todo esse deletério:
Eu vi a Morte, em seu real mistério;
Lambia os corpos de meus ancestrais.
Numa sonata d\'ossos sepulcrais,
Se ouvia os gritos, desse lar funéreo.
Das lamas puas, que pisei nas ruas,
De pus e larvas, tão Luciferinas,
Era o perfume das carnificinas
Que exalava das almas inpuras;
Elas seguiam, em cabal cortejo,
A procissão dos diabos carontes,
Dos seus lamentos se ouviam ontens,
De seus algozes, apenas motejo;
Vazio doudo vertiam nas orbitas,
Quase disformes, tão espectrais,
Maculava o enxame em necropsiais
Distopias mútuas, miragens cloróticas.
E eu seguia ao meu inferno, avante,
E à meus passos, podre criatura,
Cuspiu em mim a chama da loucura,
E eu urrava como um cão errante.
Uma risada ecoou nesse instante,
Era o Diabo, e olhava pra mim.
Em sua forma de vil serafim,
Vi em seus olhos uma cor brilhante;
Era de fogo, e em suas asas
Suicidavam penas e desgraças,
Dentes famintos a rasgar carcaças,
Valas de sangue grosso, fria e rasas.
Me escondi numa cratera úsnea,
De verde enxofre organismos; roto,
Qual tapuru, roendo no esgoto,
Tentei cavar a minha cova ígnea.
Senti as mãos arder em carne viva,
E o ar cortando todo o meu pulmão.
Agoniado, em consumpção,
Na escuridão estava, à deriva.
Aonde vais? – Berrou a sepultura.
Então eu vi, do núcleo a crepitar,
Uma mandíbula a me espreitar,
Perversa Besta em faminta usura:
Uma Serpente – maldita mulher –
Luzindo escamas sob o seu cendal
De peles mortas, presado animal
Me vi, servido, em sua talher.
_Porque se esconde, praga inferior,
De teus miasmas espirituais,
De quem imploras, em teus rituais,
A salvação de todo teu terror?
Eu sou teu deus, e tu o meu pecado;
Te dei conforto naquele jardim,
Tua ilusão foi eu que dei um fim,
Arrebentei teu sono acorrentado.
E ao ouvir do monstro o desabafo,
Cai por terra, sobre meus joelhos,
Suas escamas tornou-me espelhos,
E eu prostrado na cratera, falo:
_Cala-te! Peço que me deixes ir
De volta a luz - minha realidade.
E olhei pra ela, que sem piedade
Inflando a boca pôs-se a sorrir.
_Te farei ser, de novo, vomitado,
Como estorvo, pra o mesmo lugar.
Prova das dores à te esperar
Até qu\'estejas de novo ao meu lado.
E houve um brado, um rugido tão alto,
Que percorreu toda a minha espinha.
Calado fiquei, e, de medo qu\'eu tinha,
Mictando, tremi, rastejando incauto.
Então a bruma quente que subia
Das profundezas, ergueu-me até
Aquele céu, e ali em plena fé,
Achava, eu, que alguém me socorria.
Mas ao chegar em cima, nada havia,
Era somente luz irradiante.
Transfigurado nesse mesmo instante
Me vi em choro – Feto que nascia.
...
No despertar de minha histeria,
Estando só , naquela madrugada,
Disse: Meu Deus! - olhando na escada,
Rastro molhado, que de mim corria.
À pouca luz, que à vela, resistia
Ao meu redor, notei abandonada
Ao pé da cama, hedionda lauda,
E a tinta fresca que inda escorria.
Itamar FS