Mote:
Dizei-me, que me quereis?
Musa cruel, Musa crudelíssima,
Que coisa há, que vos agrade?
Com o vosso ego de divindade
Julgais tudo de cima!
Como posso, em humanidade,
Dar-vos, do que mereceis?
Somente do que me dizeis
Faço os motes de minhas décimas,
Mas, se vos são elas tão péssimas,
Dizei-me, que me quereis?
Por quanto me sois hostil,
Não recebeis compensação,
Pois não será com humilhação
Que eu deixarei de ser vil!
Parai, pois, de judiação,
Que tanto em vão as fazeis!
Não sois vós que escreveis
Versos, ao vosso pedido,
Mas se, a quem o faz, deixais perdido,
Dizei-me, que me quereis?
Se sois assim, metafísica,
Que eu não vos possa conceber,
Como então hei de saber
O verso que vos vivifica?
Se não vos posso perceber,
Mas sempre vós me percebeis,
Dizei-me então por que deveis
Obrar por modos tão medonhos,
Se não vos vejo nem nos sonhos,
Dizei-me, que me quereis?
Posto o que perguntei,
Devíeis ser incognoscível,
Mas isso não é possível,
Dado que os motes vos sei,
Ou eu concebo o inconcebível,
Ou vós a mim vos concebeis.
E se então vós me podeis
Dar resposta verdadeira,
Tende esta por primeira:
Dizei-me, que me quereis?