Nasci e tive a infância no ventre da roça
Andei na carroça de bois que o pai tinha
Morei em cabanas cobertas com palhas
Ouvindo as gralhas descascando a pinha
Os meus vizinhos viviam em minha casa
No fogão em brasas o sapeco de pinhão
A roça é tão pura que eu jamais esqueço
A noite lá em casa papai rezava o terço
Em volta da mesa todos davam as mãos
Isso tudo termina aos dez anos de idade
Papai foi pra cidade vendeu nossa terra
Ainda carrego saudade daquela colônia
Há um ninho de cegonha naquela tapera
No terreiro da casa nasceram as savanas
Enfeitadas por buanas lindas borboletas
O chorão plantado por mamãe na horta
Cresceu as suas ramas numa haste torta
Que sobre a taipa do açude são obsoletas
Lembro nossa casa lá em cima da serra
O pai arava a terra com os bois na canga
O murmúrio da sanga descendo a cascata
Os pássaros na mata sob o pé de pitanga
Hoje aqui na cidade tudo é bem diferente
Quem era da roça sente toda a diferença
Falta o queijo de cincho e o leite na tigela
Lembrança de mamãe expiando na janela
Daquela vida cabocla a saudade é imensa
Se eu pudesse enfiaria o pé logo na estrada
Lá na minha roça amada queria amanhecer
Ouvir o portão ranger o latido do cachorro
Queria subir o morro donde me viu crescer
Montava em meu cavalo e saia campo fora
Queria sentar no chão naquele pé de cereja
E no domingo cedinho ir rezar lá na igreja
Para do mundo da roça nunca ir embora.