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Hébron

Crônica da Primeira Infância

 

A madrugada, ainda em penumbra, sequer me lembro, mas sinto que não era o começo.

 

Ao longe, com sede no meu esquecimento, as primeiras luzes anunciavam a manhã num choro de despertar do dia.

 

As luzes denunciam as formas que se revelam em novidade de vida, e as sombras se esquivam da luminosidade, sem esconder as silhuetas, tantas vezes  disformes, da realidade palpável.

 

O espreguiçar era irresistível e me fazia perceber meus limites e o fardo a desafiar a criatividade de sobreviver.

 

O dia ainda engatinhava, entre agitos e aflição, sentimentos aflitos e agitação, a ambição por viver era inexorável força, como a correnteza de um rio...

 

Em face a tantas novidades, tantas cores e formatos, com a sensação de uma estranha  nostalgia, eu começava a tatear o que era alcançável pelas minhas mãos, mas ansiava por tocar o que estava ao alcance do olhar, na infantil percepção do imponderável em sementes de sonhos ainda a germinar.

 

Ainda era manhã e já conseguia me arrastar, no entanto, sem a plenitude  da coordenação, em razão das limitações de um corpo ainda tenro, frágil e dependente dos mais comezinhos cuidados dos seres menos infantis que me guardavam.

 

Aos poucos a minha consciência vai brotando, aflorando discernimento, mais rapidamente do que o meu desenvolvimento físico, identificando minha individualidade e muitas necessidades. 

 

Ainda muitas novidades, muitas carências e dependências, muitas dúvidas e inocência, aprendi a caminhar e a compreender muitas palavras que me trazem entendimento como a luz do sol já distante do horizonte a clarear o dia, mas careço de colo e cuidado.

 

Sinto uma sensação de abrir janelas para me arejar com a brisa da vida,  são experiências, são descobertas de afetos, cheiros, sentidos e dores, são adejos da lúdica imaginação e a fixação de raízes que ao contrário de imobilizar, podem libertar e ser o mapa de origem e destino, são tantos vínculos em surgimento a serem levados para o resto das vidas que me sinto um infinito.

 

Vejo, a manhã esboça um aceno de despedida, deixando aromas e rastros de lembranças e saudades do que era real e imaginário de um tempo onde era tudo possível e simples, singelo e desafiante,   com a força da natureza embalada na doçura de um espaço e de uma época quase perdidos nas minhas memórias pueris...