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Alberto Neto

Pelo vale da sombra da morte

Então vamos todos celebrar
fazer uma festa fúnebre 
sem ter corpos para enterrar
lembrar do ultimo dia
que vimos o sol despertar 
antes do pesadelo 
começar a nos assombrar

Feliz, feliz ano interminável 
feliz ano miserável, feliz
daquele que pode lembrar 
autorizado a lamentar

Pessoas se perdiam
em plena luz do dia 
palpites eram punidos 
ele foi para França 
ou ele foi para o forno

Inúmeros pedidos de socorro
em garrafas sem rótulo
veneno na mamadeira
vozes invadindo a cabeça,
confessa ou se despeça!

Sufocados pelo cruel braço 
abraço de urso pardo
aperto igual ao do parto 
corporação sem coração

Os nascidos nessa nação 
devem obedecer sem hesitação
toda a oração deve ser feita 
em nome da bandeira,
nossa preciosa bandeira 

Culpados de atrocidades
condecorados pelos crimes 
atos \"heróicos\" em nome 
do conforto de comandar

Pois é acontecem suicídios
deixem as crianças no recinto
vendo papai e mamãe 
reduzidos a pedaços de lixo 
carbonizados e embrulhados 
para a celebração do Natal 

Eles se comportaram mal, 
foi o que disse o então general 
ao ver o açude que surgiu
das lágrimas de saudade 
que brotavam do olhar 
de milhares de crianças 

Eis que Jesus Cristo viu 
nascer uma lua vermelha
enquanto aguardava 
a sua hora derradeira 

Eis que Vladimir Herzog viu 
uma lanterna vermelha 
ascender enquanto
tentava se equilibrar
entre a vida e a morte 

A mesma cor, ardente 
queimou as pupilas 
de ambos os prisioneiros
carrascos pensam 
ser eles os justiceiros

Pelo vale da sombra da morte
ninguém solta a mão de ninguém
pelo vale da sombra da morte
ninguém vai ouvi-lo clamar 
nenhum dos seus ou mesmo Deus 

Paira no ar o grito do recém nascido
pedindo o colo do pai desaparecido
enquanto a mãe canta as velhas 
canções de paz e amor

Perdido no vale da sombra da morte
afogado em água congelante
imaginando como seria o semblante
do filho que nunca verá crescer