Pimenta e Nonô eram amigos e moravam na mesma rua desde que nasceram. Pimenta tinha 12 anos e Nonô 13. Nutriam uma amizade sincera e verdadeira há mais de sete anos. Eram meninos que tinham na rua sua diversão, ambo moravam em casas pequenas (três compartimentos) e possuíam famílias grandes. Estavam cansados de ficar reclusos nesse no período de confinamento, mesmo assim quando podiam jogavam bola no terreno vazio ao lado da padaria. Seus pais tinham que “se virar” como podiam todos os dias pra garantir o sustento de todos.
Com a chegada do perigoso vírus Nonô logo imaginou
– Como vou empinar minha rabiola esse ano? Ele já tinha comprado a linha forte e boa de encerar no mês de abril, era uma linha corrente número 30.
Pimenta sentia igualmente a mesma ansiedade.
- Ano passado cheguei a cortar 14 pipas só numa subida, fiz um cerol poderoso e uma rabiola no ponto. Tenho que dá um jeito de soltar de novo.
Chegado o mês de junho eles se comunicaram pelas janelas de suas casas, montadas uma por cima da outra, já não aguentavam mais ficar reclusos, embora soubessem que era necessário. Pimenta como um viciado pronunciou ao ver uma pipa no ar:
– Tá vendo Nonô? Bora fazer a nossa, tem uma laje dobrando a descida, não mora ninguém. Verdade – respondeu Pimenta!
A impressionante força da tradição envolvia-os de maneira intensa e quando começaram a ver papagaios no céu não contiveram o desejo de entrar na disputa. O vento começava a ficar perfeito para levar ao ar aquela “curica”, mas havia uma pedra no meio do caminho. Os dois estavam terminantemente proibidos de sair de casa. Eles até sabiam do risco de transmissão do vírus, mas a vontade de moleque falava mais alto.
Prepararam a linha encerada, o rabo com sacos de supermercado, deixaram o peitoral das pipas e rabiolas no ponto, passaram a linha do tubo para a lata e marcaram na segunda as nove horas. No ano passado a imprensa havia noticiado vários acidentes com linha de papagaio na cidade, num deles um moto taxista foi a óbito como uma linha traspassada no seu pescoço diante de uma velocidade de 60 km por hora.
Construíram cuidadosamente todas as etapas e material necessário. No domingo se comunicaram mais uma vez pela janela sem que suas mães soubessem.
Falam bem baixinho. – Amanhã e passo na sua casa bem cedinho, 8:30h bradou Pimenta de forma silenciada e pausada.
Tá bom! Disse Nonô, Mas não deixa a mamãe vê senão ela não vai deixar. Colocaram na sacola todos os materiais comprados e preparados em surdina. Até máscaras foi no meio do material. Eles também tinham medo de pegar o vírus que ainda andava solto, mas a coragem era dez vezes maior que o medo.
Amanhece! Ansiedade e cuidado pra não deixar que suas mães soubessem que sairiam. O inusitado acontece. A vizinha de Nono grita alto chorando
- Meu Deus, me acuda. Meu pai morreu! Ai meu pai porque o senhor nos deixou?!
O quarteirão inteiro se dirigiu a casa da senhora para socorrê-la frente a tamanho sofrimento. O pai de 72 anos morto numa cama e ela com medo de chegar perto por conta da contaminação.
A comunidade toda se mobilizou para providenciar o velório e o enterro. Pimenta e Nonô, olhando aquela situação de tristeza e dor, pensaram com suas consciências presas ao ocorrido.
- Você ainda vai? Eu acho que não!
- Acho que não devemos ir, a mamãe tá com muito medo de pegar esse vírus – disse Nonô.
- Então vamos ficar em casa, ganhei três revistas do X-Men e duas da Turma da Monica do meu primo. Vamos ler?!