Um conto para o natal...
Ema Machado
Roupas frias e molhadas, grudadas à barriga que roncava, e a fome, dele ria. Na calçada em meio ao intenso movimento, era invisível, ninguém o via. Aperta o pequeno e esquelético cão ao seu encontro. Ambos tremiam, mas, o calor do pequeno animal, proporcionava certo conforto...
Um antigo sonho o levara a grande metrópole. Por longo tempo, cuidou da barba branca e não cortou mais o ralo cabelo. Valeria o esforço, seria “Papai Noel” de uma loja famosa. Quem sabe com alguma sorte, ganharia o necessário para fazer uma ceia para a família.
Pedro nunca pensou se tornar morador de rua, ali estava - sem os documentos que lhe foram roubados. Sem esperança, não contava mais o tempo.
Quantos natais solitários? Perdeu a conta. Sabia, não veria mais os seus.
E tudo, por sua culpa... Não conseguiu dinheiro, nem coragem para voltar de mãos vazias. Por orgulho, decidiu permanecer na capital, onde, faria algum bico até o próximo natal. Iria economizar para a viagem, levaria presentes para todos.
Às vezes, alguém lhe jogava alguns trocados, usava para comprar algo para comer, n’outras, procurava algo nas lixeiras do mercado. Mas, a disputa ali é acirrada, nem sempre conseguia vencer e atacar a fome que persistia. Certo dia, em uma rua próximo ao local onde se abrigava, um cãozinho foi atropelado – teve pena e cuidou dele até que melhorasse, mas, era uma boca a mais para comer. Tornaram-se inseparáveis, estavam famintos e sujos.
— Moço, posso tirar uma foto? – ouviu alguém perguntar. Apenas balançou os ombros, não se importava...
Naquele dia, sonhou com a antiga cama, estava tudo tão gostoso. Pode sentir cheiro de café e broa de milho assada no fogão a lenha. A casa era pobre, mas bem asseada.
- Ei, tudo bem? – Como, se sente? – Ouviu, parecia longe...
- O senhor, teve sorte. A moça percebeu que o senhor estava tendo uma hipotermia e chamou uma ambulância – Está em um hospital.
Pedro percebeu, deram-lhe banho, estava limpo em uma cama, não era sonho. A mente confusa impedia que dissesse algo, adormeceu profundamente.
- Moço, você precisa acordar. Tem que comer algo, ou não vai se recuperar rápido. Com muito custo tentou se erguer. As paredes pareciam rodar.
- Um instante, vou buscar ajuda – disse a voz macia ao seu lado.
Colocaram-no encostado em travesseiros, e pode engolir a sopa que ia sendo depositada em sua boca. Era a comida mais saborosa que comera nos últimos anos...
Despertou repentinamente, a enfermaria estava repleta de pessoas. Algum tempo depois, a enfermeira entra com uma bandeja de medicamentos.
— Vejo que está mais forte, não é? – consegue se levantar?
Ele pôde, suas forças voltaram.
- Quem, me trouxe? Digo, a moça...
— Ela é um anjo! Disse que fotografa pessoas de rua, para serem reconhecidas por alguém.
- Ninguém, vai me reconhecer! – Onde morava, não há energia elétrica ou telefone como aqui.
- Calma, vejamos o que acontece! Afinal, é natal! – Disse a enfermeira, rindo.
Olhou pela janela - anoitecia, dia vinte e quatro de um ano qualquer. Seria mais um...
- Olá, o senhor lembra de mim? – Sou a moça que o senhor quase matou de susto. Desmaiou, enquanto eu tirava sua foto.
- Será, que poderia me contar sua história?
- Mas... Você não... Não vai comemorar o natal com os seus?
- Vou, mas tenho um tempo ainda. Pode contar, assim vemos o que se pode fazer, para lo ajudar – Ah! Pode ficar tranquilo. Seu cãozinho está seguro, em um abrigo para cães.
Enquanto contava o que lhe acontecera, lágrimas escorriam por seu rosto, envergonhadas embrenhavam por sua enorme barba branca. Não se importava, lavava a alma.
- Ei, Pedro! Temos um serviço para você! - Pode ficar de pé?
- Penso que sim, sinto-me bem.
Então, aguarde aqui! – E a moça saiu depressa.
Pedro ainda imaginava o que aconteceria em seguida, quando ela entrou trazendo um enorme embrulho.
- Vá, tente vestir estas roupas que lhe trouxe e me acompanhe. A enfermeira disse que você está bem. Só precisava de alimentos e roupa seca para ganhar força.
- Aonde vamos? – Pode dizer, irei com você.
- Você disse ser um Papai Noel. Preciso de um. Vai me ajudar, ou não?
E Pedro seguindo ao banheiro, vestiu-se rápido. Estava começando a acreditar no espírito de natal...
Tempos depois, já em casa, lembrava-se de como retornara ao lar. Ana o havia contratado, para distribuírem presentes em um orfanato. Ele esquecera o que é humanidade, estivera petrificado por muito tempo. Esquecera a fé, que a esperança é uma estrela, pode brilhar quando cremos.
Ana o ajudou a retornar aos seus. Ao retornar, percebeu que as coisas por lá estavam melhores. Os pais, agora velhinhos, nunca perderam a esperança de revê-lo. Os irmãos, agora empregados, receberam-no com uma ceia. Era noite de um ano novo...