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Você que é a menina dos sonhos, e do meu sonho a mais bela história, precisa ouvir meu sonho da noite passada.
Às vezes eu me pergunto o que serão os sonhos na verdade. Apenas frutos da imaginação, ou todos os pedaços de vidas já vividas? Eu sei que você não crê nas minhas convicções. Não importa, eu creio nas minhas e nas suas também.
Me vi, de repente, numa imensa praça. Sob os auspícios de uma majestosa e alvinitente luz, erguia-se vetusto templo. Sob o cone da velha torre que docemente expunha-se às carícias da noite inebriante, por sobre os rubros tapetes acetinados, o povo se aglomerava.
O templo estava repleto de fieis e as flores, alvas e viçosas, emprestavam sua fragrância e beleza ao ambiente de paz e serenidade.
Por todos os lados, desde o púlpito-mor , ricamente adornado até as colunas, ressonância de vozes em coro, repercutiam na cúpula – zimbório sublime, retratando um céu constelado e seráfico – um mimo de arte e bom gosto.
No altar principal, uma figura imponente principiou a dizer: “- Meus irmãos. Naquele tempo Jesus propôs uma parábola dizendo: O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que o homem tomou e semeou no seu campo...”
Ao longe, vestida de gaze muito tênue, qual diáfana cigarra, eu vislumbrei a mais linda de todas e a mais triste em todo o templo. Eu a buscava por longo tempo. Eu a encontrara. Mas a multidão, a cada passo que eu dava em sua direção, mais se compactava, mais a afastava de min.
“O grão de mostarda é, na verdade, a menor de todas as sementes. Entretanto, depois de crescida supera em tamanho a maior de todas as hortaliças. Torna-se árvore e as aves do céu vem pousar por sobre os seus galhos...”
A figura imponente continuava a sua pregação a me olhar, qual se dirigisse exclusivamente a mim, em suas palavras...
E eu tentava varar a multidão. Você empurrava o povo numa ânsia louca, no desespero de quem vê esvair-se os últimos instantes, qual náufrago enlouquecido, impotente para se segurar na balsa salvadora que inapelavelmente lhe salvaria a vida.
No desatino de quem se vê impotente ante a força do destino, incomensurável, ergui-me em direção ao palestrante, indagando-lhe tantas coisas.
“Todas essas coisas disse Jesus ao povo, em parábolas, afim de que se cumprisse o que estava anunciado pelo profeta que diz: - Abrirei em parábolas a minha boca, revelarei coisas que tem acontecido e tem estado escondidas desde a criação do mundo...”
Assim me respondeu, no momento exato em que acordei, sentindo ,ainda, o perfume das flores, a doçura do cântico e uma enorme sensação de ausência, de amargura e de saudade...
A noite avança em direção à madrugada. A aurora de um novo dia deve raiar em pouco. Me recolho levando a sua imagem, parte permanente de minha retina. E, antes de dormir, me pergunto intrigado: Quem me há de explicar tão estranho sonho?
Nelson de Medeiros