Elfrans Silva

O MENINO DA PERNA DE PAU

- Hoje tem espetáculo?

- Tem, sim sinhô!  
- Às oito horas da noite? 
- É, sim sinhô!
- Oi, raia o sol suspende a lua, 
olha o palhaço 
no meio da rua
- Ô Benedito bacurau 
tá no ôco do pau, 
o teu pai toca pife 
e tua mãe berimbau
- Arrocha negrada!...        
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Assim que se ouvia  na nossa infância,  
Corre-corre e euforia, em toda a cidade
Pra dizer que o circo estava à distância 
Crianças e velhos, e pra toda a idade 

O palhaço avante sobre a perna-de-pau
No megafone anuncia a sua chegada 
O circo de lonas, não tinha outro igual
Nem faltava atração, pra nós, garotada 

Foi daí, com certeza, que surgiu a idéia 
Da gente brincar, tendo pouco recurso
Nós, os pirralhos, formavam a platéia 
A arena, era o chão, do nosso percurso 

Sem passado e futuro pra se preocupar 
Passei minha infância brincando na rua
De tudo eu fizera pra alguém conquistar 
Em prol do amor, prometi o sol e a lua 

Se via um menino com a sua pequena
Pensava de um dia chegar minha sorte
Eu feio não era mas havia um problema 
Perdia em tamanho, na grana, no porte 

Lembro da vez que gamei de verdade 
Numa linda menina do meu vilarejo
A sua estatura era a complexidade
Caso eu quisesse, ir dar nela um beijo 

Tomei duas ripas de um metro e meio
Firmei o apoio, à dois palmos do chão 
Juntei a coragem, e pra não fazer feio
Treinei alguns dias no meu quarteirão 

Bem equilibrado, e iludido no amor
Colhi uma flor, do jardim, a mais bela
Tinha altura, só não o porte e o penhor
Remeti minha flor dentro à sua janela 

Uma rosa por dia pra falar da paixão 
Usando o brinquedo e atirando pra ela
Eu cresci na altura, \'suspenso\' do chão 
Já tinha a estatura, para o gosto dela 

Vou sempre lembrar da garota genial
Da resina das rosas na hora do corte
O menino feliz sobre a perna de pau
Olhando no chão, a flor, na sua sorte 

Cada vez mais os costumes distantes
Outros não fazem por displicência 
Dar flor á esposa, namorada, amante
E com a doçura da nossa inocência