Eu construí um edifício
que não era de concreto
tampouco continha silício
era apenas uma engenhosidade
um capricho, sem um pingo
de maldade
que brotou em meu coração;
Neste edifício eu incorporei
toda a minha ambição
havia nele também um quê
de uma grandiosa paixão
que um dia acalentou o meu viver
mas que agora, terminado o edifício
eu mesmo a fiz morrer;
Minhas lembranças passaram a assombrar
minha alma, que agora
já não sabe mais o significado de amar
então me vi coagido, e o tal edifício
ganhou um aspecto epopeico
e ruiu múltiplos ecos;
Eu me fiz escravo
dos meus caprichos e ambições
por culpa destes flertes
com as seduzentes ilusões
e eu queria, ardentemente
que meu edifício virasse agora, instantaneamente
um amontoado de concreto
e assim me dessem sossego, por obséquio;
Construiu-se em mim, sem eu perceber
um tumor, que apelidei de fardo
fiz um luto em nome do amor
e ele alimentava-se, deliciava-se
até que um dia fez seu louvor
e sendo já maior do que o próprio edifício
simplesmente o assassinou;
Então fiquei destituído
de paixões, ambições ou edifícios,
e cousa alguma me preenchia
num repente senti saudades das minhas mãos
banhadas do sangue do amor
que apesar de toda dor
tapava este oco mórbido
agora meu maior opressor;
O fardo, contudo, não me retirou tudo
eu ainda não sou cego, nem mudo
e caminho com os meus pés
aprendi, afinal, a lidar com o revés
de ser um desapaixonado
portando cicatrizes e estando
eternamente amuado;
Chegou a missa do quadragésimo nono dia
e fiz as exéquias em nome do amor
mas de repente, o que jazia obsoleto
se achegou, timidamente
transbordando uma imensidão,
um arroubo de felícia me envolveu de repente
e o cenário, fúnebre
se fez reluzente, tal qual
uma estrela cadente;
O fardo, vendo tudo
me sorriu e foi saindo de mansinho
deixou-me, afinal, sem ambições, caprichos
ou edifícios
mas ainda sim me implantou um resquício
que soava estridente
mas na verdade, era clemente
e se expressava no meu trato
perante o ofendido amor.