Marçal de Oliveira Huoya

Iceberg

Foi tudo muito dramático

Com a frieza de uma repartição sexta-feira à tarde

Um mero encontro burocrático

Uma chama que não arde

Como despachos automáticos e impessoais

A letra fria em folhas obsessivamente empilhadas

Sensações hermeticamente embaladas

Em um papel sem vida e nada mais

Largada em cima da mesa

Com uma incerteza desleixada

Deitava um embrulho furta-cor e impermeável

Um presente duvidoso

Dois estranhos e nus que se reencontravam

Tudo muito frio e adorável

Sem nunca antes terem se visto

A sensação do gosto de gosto algum

Sem fome mesmo em jejum

Diante daquele planejado imprevisto

A sensação do toque sem tato

Almas dormentes, anestesiadas

Labaredas geladas

Sim, isto era um fato

E foi assim que começou e já sendo fim

Uma deslumbrante beleza de manequim

Restou a lembrança da incerteza depois

Se sonharam os dois

Ou o sonho foi só meu

Ou será que nada disso aconteceu?