Um homem nasceu na pedra do rio
Era pequeno, falante e feio
Os animais não se assustaram
Pensaram ser um bicho qualquer
Todavia, cada palavra era um pranto
A novidade ia além da estatura
Não falava sem chorar
Chorando saudava e soluçando despedia
Meu pai levou-o para a lavoura
Percebi que estendia os braços para a pedra
Não tinha nenhuma experiência com o campo
Ao menos molhava com lágrimas o chão plantado
Procedendo assim, cortou o próprio dedo com a enxada
E ao invés de chorar, gargalhou a tarde inteira
Alguns diziam se tratar de um demônio
Outros de alguma nova raça de cachorro
Eu via alguém desconcertado
Consciente das glórias do riso
Sempre se mutilava
Cortando cada parte de si
Em meio a uma sinfonia de sorriso
Como quem ganhou o mundo
Todavia, o sorriso teve que ser impedido
Por pouco não enfiava uma faca no peito
Parece que buscava a alegria num dia difícil
Assim, esteve trancado na sala três
Até o terceiro mês, depois da quinta colheita
Eu não conseguia dormir
O choro alcançava vários tons durante a noite
O \"mi\" reavivava o imaturo medo do escuro
O \"do\" ecoava o ronco do meu pai
E todas as outras notas chamavam as pedras
Que no rio estavam mudas, me atrapalhando dormir
Certa manhã, o homem parou de chorar
Cochilei por três horas e depois fui vê-lo
Estava parado no canto da sala
Virado para a parede
Como quem cumpre pena
Ele roía o dedo
Mas sem rir, em silêncio
Segurei suas mãos
Ainda sim, ficou imóvel
Sem rir, aparentou morto
Sem chorar, vivo
Meu pai resolveu trancá-lo na sala mais escura
Já que não havia sido reeducado
Mas piorado e estagnado
Eu coloquei o homem no bolso e sai
Levei de novo ao rio
Coloquei seu corpo pequeno na pedra
E assim ele moveu os olhos
Lançando-os aos meus
Uma lágrima escorreu no olho direito
Passando no nariz para a boca
Mas sem expressão de pranto
Era um sentimento novo
Mistura de alegria com dor
Na verdade um agradecimento
Pois voltou ao lugar que quis brotar
E por eu ter sido o único que escutei
Ainda que o silêncio dos seus gritos
Fosse semelhante ao silêncio das pedras do rio