Jessé Ojuara

Desencontro

 

Hoje quero me afastar de mim, para me desencontrar de você.

Tire essa roupa manchada de branco. Vista-se de carmim e agora despida de quem nunca fostes, encontre quem eu matei dentro de mim 

Frente a frente, te olho e vejo a mesma pessoa, que não quero ver.  

De costas, arranco teus olhos e coloco no lugar dos meus e te enxergo, aprisionada dentro de ti.

Colocas meus olhos e vendo-me, com surpresa e medo, aguça suas fantasias e desejos.

Adormeço meus  sentidos coletivos e sinto você, pela primeira vez, despida de você mesmo.

Sentado no chão empoeirado, sussurro nos teus ouvidos, palavras com uma amarga suavidade. 

Onde estavas escondido, geme, num grito abafado.

Falo, sem esperança de ser ouvido. Falo e falo, sempre falo e nada digo, só falo, pequenas palavras, sem grandes sentidos. Aprisionado pelo tamanho do meu medo.

Um dia sem lua, coração, Heros disfarçado. O Eros destronado, reassume seu lugar e comanda a exagerada festa Baquiana.

Hoje calado, no teu colo, falo,  cheiro, exalo, toco, sinto quem deixou o ser finalmente Ser o que nunca foi.

A concha se abre, a pérola se revela. A bainha procura a espada. A escuridão apaga a luz.

Seu corpo tem perfume, amargo, escatológico, sútil, inebriante.  

Uma mancha vermelho cádmo, embeleza meu tapete.

Gozo uma pequena morte.

Desassociado de mim, morro em plenitude, dentro de ti.

Gosto de senti-la
Ouvir sua voz
Zumbindo palavras tolas
A onde escondia seu Ser?
Mas agora desencontrados
O desencontro revelou
Sutilezas inexploradas.

Jamais experimentadas
Um depois o outro
Não, um e o outro
Tudo junto e desmascarado.
O desejo exacerbado
Sem amarras ou medos.

Desencontrados de nós, finalmente nos desencontramos. 

Larva, pó nada e tudo. 

Eu, você, nós e muitos mais.

Eu como você, você como eu.

Vamos fumar um antes, durante e depois.