Ivete Nenflidio

Quem me dera

Meus poemas?

Ah! São tolos…

Tenho versos ordinários, porcos…

São sintéticos, como flores de plástico.

São como borralhos de cinzas podres,

estão mais para ditados populares,

são como o gosto amargo do tabaco

do cigarro que trago,

São como cais desertos,

distantes de seus barcos,

sim, são assim, são rasos, vagos,

são como nós-cegos.

Não são como as ardentes e conscientes palavras de Pablo,

estão distantes das espantosas metáforas de Eduardo,

não são como as fabulosas passagens lúdicas de Mário

e estão longe dos enigmas mirabolantes de Jacques…

Não revelam as profundezas da alma como os versos de Clarice,

e não se parecem em nada com as palavras do boêmio e faceiro Charles,

não são como os surpreendentes livros de Rosa

e estão anos-luz do realismo de José…

Não são como a solidão lascívia de uma Florbela,

não revelam a vanguarda como Abaporu,

não afrontam como Pagu,

e muito menos estão nos versos doces e adoráveis de Cora.

Quem me dera escrever poemas e dedicá-los a Cuba, assim como fez Neruda,

ou defender o povo latino-americano, como fez Galeano.

Quem me dera fosse tão humana como Quintana.

Quem me dera ter o senso de humor de um expert como Prévert.

Quem me dera fosse um grande escritor, assim como a imensa Lispector.

Quem me dera escrever como Freire, Voltaire ou Baudelaire.

Quem me dera decifrar todas as cores de Guimarães,

ou ter a lucidez e as palavras de afago de Saramago.

Quem me dera encontrar as palavras francas de Espanca.

Quem me dera quebrar tabus como fez Pagu.

Quem me dera retratar indígenas, negros, favelas e vilas como fez Tarsila.

Quem me dera fazer brotar nos meus tachos a doçura de Coralina…

Ah! Quem me dera! Quem me dera!

De que vale a minha arte, se não existe para quem?