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Victor Severo

Aquela mulher.

Ele não tinha certeza, não tinha certeza se a primeira impressão que tivera daquela mulher teria sido realmente de uma brutal antipatia. Não tinha certeza, mas havia algo muito estranho naquela impressão que se tornara com o tempo um pensamento obsessivo que ele precisaria tirar a limpo, precisaria averiguar, ter a certeza portanto.

Aquele olhar, aquela mulher, tudo isso inexplicavelmente havia invadido sua mente com um desconforto que ele poucas vezes sentira, e logo ele, logo ele que a bem pouco pensara estar vivendo em um oásis que duramente e durante muito tempo havia projetado no meio do árido deserto que era seu pobre ser.

E por que, por que aquela impressão tanto o incomodava, por que diabos, aquele simples olhar, aquele rosto que poderia ser o rosto de qualquer uma, aquele furtivo sorriso que havia lhe feito acordar de um pesadelo e ser lançado em um sonho impossível, uma quimera fantástica, um devaneio absurdo que por si só prometia implodir toda a realidade tediosa que ele aspirava por pura obrigação tanto o importunava, por quê?

Ele resolveu que algo deveria ser feito para não enlouquecer, ele resolveu que precisava saber, por que aquela brutal antipatia que ele à principio achara que sentia, havia se tornado com o passar de um breve tempo um sentimento que ele a muito havia enterrado no cômodo mais escuro de seu velho coração encouraçado, e ele não mais se permitiria negar, não mais procuraria se esconder, seria covardia demais lhe negar a última-presumível- chance de amar novamente.

Amar, vocês não podem imaginar o quanto a simples menção dessa fatídica palavra, a simples menção desse simples verbo transitivo direto, a simples lembrança desse fardo, dessa obrigação, dessa ilusão, desse claustro, dessa doença, desse tropeço e queda, dessa fuga da razão, desse mar escuro e lodoso; vocês jamais poderão imaginar o quanto essa sentença de morte o torturava.

Mas, torturava-o muito mais aquele olhar, daquela mulher, já ideia fixa, já necessidade, já boca seca, coração acelerado, mão trêmulas, suor brotando descontroladamente pelos poros, desejo de conjunção carnal, de promessas de felicidade, já entrega total e absoluta, já espera pela chegada, saudade pelos breves momentos de separação, comunhão de almas, já ciúmes, já risadas, passeios e finais de semana compartilhados, acordando tarde, se espreguiçando, se amando sem se importarem com os hálitos de cebola cortada, já planos sendo feitos, já tudo isso e tudo o mais que ele não conseguia imaginar. Jaz, jaz, quanta ilusão...

Quanta ilusão, tanta que não caberia dentro da alma de todos os sonhadores do mundo, tanta que seria impossível domá-la e escraviza-la para que não fugisse, para que se tornasse um mundo para sempre apartado da cruel realidade que governa a tudo e a todos com tirânica, diabólica (ou seria divina?) mão ditatorial e sádica, quanta ilusão...

 

Ilusão, pois ele realmente nunca teria coragem de procurar aquela mulher, de confrontar aquele olhar, de perguntar seu nome, de começar uma conversa despretensiosa e dar voltas e mais voltas para gaguejar um simples monossílabo, de convida-la para sair, de olhá-la fixamente nos olhos e balbuciar: - Amo você! ele realmente não era um homem de coragem, não possuía esse atributo, essa qualidade que na sua visão só se materializava nos heróis que a ficção vendia a módicos preços de droga barata. Ele e sua pálida personalidade preferiam sofrer com o rosto mergulhado no “talvez’, sem nunca correr o risco de levantar a cabeça e respirar o “quem sabe”. Ele, aquele homenzinho orgulhoso de suas mentiras, jamais, jamais sairia de sua zona de conforto, jamais emprestaria a si mesmo a micharia de ser feliz, a oportunidade de amar outra vez, e resolveu de uma vez por todas, a despeito de todo o seu desejo reprimido, de toda a sua dor que continuaria represada (água suja, morta, insalubre), não esquecer de todo aquela mulher, aquele olhar, mas, voltar a nutrir por ela somente uma brutal antipatia.