Juliana Kisler

As mulheres que matei.

Hoje logo quando acordei

O espelho diante de mim

Refletiu minhas prisões voluntárias

As linhas do tempo marcadas em minha face

Foram realçados pela sombra

De minha mente vazia

Mergulhada no lado escuro do meu olhar

Onde fiquei rodopiando

Como a água do bueiro

Em dia de tempestades incansáveis

Buscado respirar pelo vórtice

Mas a incógnita desse momento

Transformou a vida na sequência

De um filme em câmera lenta

Assistindo a todas que eu matei

Pobre moça aquela que morreu de inanição

Presa, definhando em seu próprio cativeiro

Pela ausência dos nutrientes

Que alimentavam os seus belos sonhos

A filha que foi asfixiada pelas palavras ilhadas

Cansada de respirar por pulmões distantes

De gerações represadas em sua garganta

A bela princesa que se assustou

Por ter em si tanto e tudo arder

Foi caçada, presa, julgada e condenada

A queimar em sua própria fogueira

Transformando seu império em cinzas

A mulher que afoguei

Com os mergulhos profundos

Nos sentimentos rasos

Dos relacionamentos medíocres

A doce menina que se mutilou a cada ausência

Até cortar os pulsos

Sangrando tudo que um dia amou

Ou que enganou-se acreditando que amou

A esposa que se suicidou

Puxando o gatilho da arma

Apontada para sua cabeça

Com gritos para chamar a atenção

Silenciados em seu peito

Revelando a filha que não foi ouvida

A habilidosa profissional de raça puro-sangue

Que se habituou a puxar carroça

E a se deitar com o arreio

Confinada dentro de sua liberdade

Planejando em um futuro morto

A menina que envenenei

Engolindo as palavras e dores angustiantes

Enclausurando-as em meu peito de vidro

Envolta no rótulo de caveira

Eliminando as borboletas

Que habitavam em meu estomago

A jovem que inconscientemente

Podou suas assas em pleno voo

E agradeceu a miséria 

De alpiste recebido em cativeiro

Mas a alma ausente e amortecida

Se encontrou com o tempo

Desnudou os falsos ideais

Tornando-me réu confessa

Destes homicídios dolosos

Ressuscitando a reconstrução do meu eu

Com gratidão a todas as mortes dolorosas que passei

Refazendo o eterno

Com uma nova visão

Para além de minha cegueira.

Por Juliana Kisler

 

Instagram @julianakislerpoetisa