Hoje logo quando acordei
O espelho diante de mim
Refletiu minhas prisões voluntárias
As linhas do tempo marcadas em minha face
Foram realçados pela sombra
De minha mente vazia
Mergulhada no lado escuro do meu olhar
Onde fiquei rodopiando
Como a água do bueiro
Em dia de tempestades incansáveis
Buscado respirar pelo vórtice
Mas a incógnita desse momento
Transformou a vida na sequência
De um filme em câmera lenta
Assistindo a todas que eu matei
Pobre moça aquela que morreu de inanição
Presa, definhando em seu próprio cativeiro
Pela ausência dos nutrientes
Que alimentavam os seus belos sonhos
A filha que foi asfixiada pelas palavras ilhadas
Cansada de respirar por pulmões distantes
De gerações represadas em sua garganta
A bela princesa que se assustou
Por ter em si tanto e tudo arder
Foi caçada, presa, julgada e condenada
A queimar em sua própria fogueira
Transformando seu império em cinzas
A mulher que afoguei
Com os mergulhos profundos
Nos sentimentos rasos
Dos relacionamentos medíocres
A doce menina que se mutilou a cada ausência
Até cortar os pulsos
Sangrando tudo que um dia amou
Ou que enganou-se acreditando que amou
A esposa que se suicidou
Puxando o gatilho da arma
Apontada para sua cabeça
Com gritos para chamar a atenção
Silenciados em seu peito
Revelando a filha que não foi ouvida
A habilidosa profissional de raça puro-sangue
Que se habituou a puxar carroça
E a se deitar com o arreio
Confinada dentro de sua liberdade
Planejando em um futuro morto
A menina que envenenei
Engolindo as palavras e dores angustiantes
Enclausurando-as em meu peito de vidro
Envolta no rótulo de caveira
Eliminando as borboletas
Que habitavam em meu estomago
A jovem que inconscientemente
Podou suas assas em pleno voo
E agradeceu a miséria
De alpiste recebido em cativeiro
Mas a alma ausente e amortecida
Se encontrou com o tempo
Desnudou os falsos ideais
Tornando-me réu confessa
Destes homicídios dolosos
Ressuscitando a reconstrução do meu eu
Com gratidão a todas as mortes dolorosas que passei
Refazendo o eterno
Com uma nova visão
Para além de minha cegueira.
Por Juliana Kisler
Instagram @julianakislerpoetisa