Juliana Kisler

Necropsia poética

O corpo frio a mercê do bisturi

Na mão do anjo de branco

Buscando encontrar a causa de sua morte

Ele se aproximou do rosto precocemente envelhecido

Delicadamente na horizontal como se estivesse dormindo

- “Chorou no seu leito de morte! ”

Observou a marca na pele do caminho feito pelas lágrimas

Foi então que notou o cheiro do vinho

Que afogou as palavras

Que nunca mais serão pronunciadas

Enclausurando-as na garganta sem vida

Pegou em suas mãos já geladas

Embaixo de suas unhas grafite

Em seus dedos calos e leves cortes provocados pelo papel

Que denunciavam sua habilidade de transcrever sentimentos

- “Era poeta! ”

A lâmina fria e afiada desenha o “Y” no tronco

Abre-se a caixinha de surpresas

Para espanto do médico legista

Era ausente de coração

“- Está conversado em isopor”

Sussurrou a voz amordaçada pela morte

As borboletas que habitavam em seu estomago

Estavam todas mortas

Suas vísceras eram sentimentais

Estavam repletas de versos sem rimas

Removeu seus órgãos e pesou

Dissecou as palavras que haviam ainda ali

Documentando em um último poema como coautor

Carinhosamente o instrumento cirúrgico

Rabiscou uma linha de uma audição a outra

Presenciou os bombardeiros e guerras infinitas

Que domiciliavam a lógica emoção dos pensamentos

Por fim, levantou a pálpebra

Notou que seus olhos sem vida gritavam poesias vivas

Suturou o cadáver e determinou a causa mortis

Asfixia pelos sentimentos que não permitiu-se sentir.

Por Juliana Kisler