Adão, o primeiro homem,
Totalmente extasiado
Olhava, maravilhado,
Os feitos do Criador:
Rios profundos e claros,
Os montes e as campinas
Fontes puras, cristalinas,
Exuberância e cor!
Animais de toda espécie
Cruzavam-se pelos caminhos,
Leões, corças e ratinhos,
Tudo em total harmonia.
Elefantes e gazelas,
Os cavalos relinchando
A passarada cantando,
Em perfeita sintonia.
Frutos caindo dos galhos,
Flores esparzindo odores
Borboletas de várias cores,
Revoadas na floresta.
Formigas, grilos, abelhas
A procura de alimento,
Cigarras buscando alento
Cantando... Fazendo festa.
O sol ardente e tão belo,
Como um puro diamante
E a terra exuberante,
As águas que com leveza
Desciam bem preguiçosas,
Formando belas cascatas,
Revigorando as matas,
Com fresquidão e beleza.
Deus - de longe - espiava
O homem que havia feito,
Achava-o forte e perfeito,
Capaz de ser o senhor
Ter o domínio da terra
Com as suas criaturas,
E desfazer as agruras,
Prosperar com o labor.
E caminhava lentamente,
Por veredas silenciosas
Tornavam-se luminosas,
As pedras que Ele tocava.
Pois elas se transformavam,
Em belíssimos diamantes
Com rebrilhos faiscantes,
Um brilho que ofuscava.
Do córrego do qual tirou,
O barro e moldou Adão
Vinha um imenso clarão,
Em um tom belo, dourado.
E o seu leito virou ouro,
De inigualável pureza
Tamanha era a grandeza,
De quem o havia tocado.
Chegou enfim, o momento,
De Deus tirar um descanso
Procurou por um remanso,
Não demorou a encontrar.
Um trigal que se ondulava
E se ofereceu prontamente,
Dando abrigo ao Onipotente
Que pôde então repousar.
Os pássaros anunciavam,
O crepúsculo matutino
Quando o Criador Divino
De Seu sono despertou.
Então, uma voz suave,
Sussurrando mansamente
Saudou-o e, humildemente,
Dessa forma lhe falou:
- Senhor, que não vos pareça
Que é uma reclamação
Mas, de vossa criação,
Sinto-me insignificante.
As árvores são tão altivas,
Com realce e formosura
E esbanjam em fartura,
E porte impressionante.
E, além de tanta beleza,
São frondosas e têm cor,
Folha, galho, fruto e flor
Tornando-as tão graciosas.
Eu, mísero trigo pequenino,
Acho que fui esquecido,
Fiquei feio e enfraquecido,
Infeliz entre as ditosas.
Deus – quieto - a escutar
Tamanha lamentação,
Estendeu a Santa mão
E então o abençoou.
E com toda a firmeza
E a força de seu poder,
Ele se pôs a dizer:
- Eis a graça que te dou:
Mesmo sem teres beleza
E com tanta fragilidade,
Asseguro que, na verdade,
Tão bem me agasalhaste.
Em teu generoso abrigo,
Velaste pelo meu sono
Não fiquei em abandono,
E do Sol me resguardaste.
Fraco, darás alimento
Do maior ao pequenino,
Encarnarás o Divino,
Serás hóstia... Serás pão!
Pequeno, serás gigante,
Guardarás em ti nobreza
E a mais alta realeza,
Beijará a tua mão!
Tuas flores se tornarão
Em espigas... Em farinha,
No Sacrário – a essência minha,
Força para as criaturas.
Tu que eras pequenino,
Doravante és grandioso
Estou feliz e orgulhoso,
Posso voltar às alturas!
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E, ouvindo o trinar de pássaros,
E ao som do canto de anjos
Que tocavam flautas e banjos,
Ele voltou para os Céus!
Tornou-se o trigo alimento,
De todos, o mais usado
E quando pão - consagrado
Corpo do Filho de Deus!
***
Cordel de minha autoria - uma homenagem a Henrique Maximiniano Coelho Neto (Caxias/1864 - Rio de Janeiro/1934), escritor, cronista, folclorista ,romancista, teatrólogo, crítico, político e professor , membro da Academia brasileira de Letras - fundador da cadeira de número 2, considerado o Príncipe dos prosadores brasileiros.
(Maria Do Socorro Domingos)