Com certeza o título do texto provocará estranheza naqueles que dedicarem alguns minutos para interpretá-lo, sim, a palavra chave aqui é interpretação. Interpretação da vida, interpretação dividida pelos anos vividos, por mim, por você que agora lê, por todos aqueles que mais dia menos dia para e olha o passado, para o tempo na memória fotografado, um pouquinho de nossa história.
Aproxima meu aniversário, nasci nos primórdios do inverno de 71, recentemente descobri que foi num sábado frio e cinzento, mas o que atiçou esse momento não foi a data, foi uma fotografia amarelada que encontrei da minha longínqua infância. Uma fotografia sem cor, sem dor, recheada apenas da lembrança de outrora.
Essa fotografia reacendeu agora um questionamento salutar: será que fui aquilo que aquela criança de outrora sonhara, ou será que eu me perdi pela vida? Cabe a cada um interpretar a si mesmo ou viver a esmo, sem olhar pra trás, sem mensurar aquilo que uma criança um dia sonhou. Eu, como sonhador inveterado, muitas vezes mal interpretado, resolvi parar por uns instantes e repassar o caminho que me trouxe até aqui.
A fotografia de criança, sem cor, por vezes sem demonstrar a esperança, não consegue retratar tudo aquilo que eu sonhava, no máximo demonstrava que já naquele momento meu olhar se perdia no horizonte, naquele instante eu já despontava um sonhador, certamente distante das tendências da moda, mas profundamente imerso nas divagações poéticas setentistas, o estilo da vestimenta imposta a mim na ocasião provocou uma revolução abissal, os anos que se seguiram foram testemunhas oculares.
Minha infância foi normal, comum, brincadeiras, sonhos, dinheiro algum, mas certamente uma infância feliz que guardada em minhas lembranças, formam um matiz que fotografia nenhuma será capaz de mostrar, mas um dia quando minhas histórias eu contar todos saberão que embora dificuldades existissem, recebi muito amor e carinho, recebi afeto, orientações, claro, muitas correções (não é verdade mãe?), mas acima de tudo recebi minha herança paterna de como deve ser um cidadão de bem, um homem de verdade (aos meus pais e avós, meu eterno agradecimento).
Minha adolescência foi grafada pela música, rebeldia e alegria na medida certa, poesia abstrata, poesia concreta, toda exposição cultural possível, que mesmo não possuindo a estrutura educacional sofisticada, deixou minha vida pavimentada para os anos que em breve chegariam. Fui um adolescente introspectivo, talvez provocado pela melancolia do blues, ou talvez pela intensa timidez que insistia em me manter na penumbra, distante da luz das badalações. Mas ali no meu canto, geralmente no escuro do quarto eu promovia revoluções, ali eu fui herói, rompi meus grilhões, cristalizei minha personalidade.
Mas um dia temos que nos tornar adultos. Tudo que vivenciei, tudo que até ali sonhei, fez de mim um adulto responsável. Comecei cedo no batente, trabalhei e conheci muita gente, fui um soldado a frente da batalha, claro, cometi muitas falhas, muitos erros que acabaram por ensinar-me que a vida por vezes é dura, ás vezes não perdoa, mas nenhuma batalha é eterna. Tive momentos difíceis, claro, mas jamais superarão as alegrias que eu colhi e os momentos de intensa felicidade que eu vivi e consegui proporcionar aos meus.
Bom, agora já no segundo tempo da vida com um pouco mais de sabedoria, posso olhar para o passado e mensurar se o olhar daquele menino alcançava o que aconteceu ou se pelo caminho seu sonho esmoreceu. Posso afirmar que sim, aquele olhar sereno, de uma criança abarcada pela esperança, realmente alcançou o que eu me tornei.
Não sou uma estrela, não sou um rei, sou apenas um poeta, um trovador que mesmo numa fotografia em preto e branco enxerga a cor, visualiza a alma, consegue ver e perceber que a vida é um jogo, e eu até aqui contabilizo muitas vitórias, muitas glórias que ofereço a todos que comigo dividem esse tempo na terra. Parabéns pra você (pra mim), e que antes do fim eu ainda consiga proporcionar alegria ao mundo.
Jose Fernando Pinto