Jose Fernando Pinto

Eu envelheƧo na cidade

Eu sou de outro tempo, cheguei até aqui com o vento, venho de uma terra distante, não trago prata ou ouro, mas carrego comigo um tesouro, os cabelos grisalhos, a barba branca, as rugas e a esperança de ver um mundo melhor. Cheguei aqui ouvindo Belchior, uma fotografia 3x4 era meu único retrato, li as notícias de terra civilizada e junto da passarada ouvia galos noites e quintais.

 

Porque eu sou de outro tempo, do tempo de Raul Seixas e Sergio Sampaio, tempo em que sociedade alternativa, de simples narrativa, transformou-se num “balaio”. Tempo de ideias mirabolantes, dos rocks provocantes, tempo de Zé Ramalho e dos Mutantes, das calças boca de sino, “pra não dizer que não falei das flores” era um hino, e o verdadeiro rei do baião era nordestino.

 

Sim, eu sou de um tempo antigo, quando as crianças corriam no parque, os pais ouviam Chico Buarque e logo ali na esquina alguém tocava Elis Regina, um tempo em que o Pink Floyd era a terapia, o Rush fazia música com maestria, enquanto em Minas Gerais naquele momento, crescia a voz do Milton Nascimento.

 

Clube da esquina, 14 Bis, não, não falo de aviação, falo de composição, de como a emoção chegava ao público “com a alma encharcada e a roupa repleta de chão”, por vezes numa boleia de caminhão, noutras, atrás das grades de uma prisão. Sim, eu sou do tempo em que quase tudo era proibido, e que a arte foi o estampido que ajudou a liberdade chegar, eu sou do tempo que a música, a poesia, a fantasia eram sim uma bandeira, e era um orgulho carregar.

 

Eu cresci nos anos 80 e longe demais das capitais, “eu me sentia um estrangeiro, passageiro de algum trem”, não o trem de ferro, mas do grito, do brado retumbante, da legião urbana daquele tempo que transformava a plebe rude no capital inicial da redemocratização desse vasto país, colorindo um novo matiz para a chegada dos anos 90.

 

Até chegar aqui eu tive que correr para ver a passagem de um cometa, ouvia Gil e Paralamas nos barracos da cidade, enquanto as rádios piratas promoviam revoluções por minuto num rock brasileiro astuto. Sou do tempo dos festivais, dos saraus de poesia nas praças, tempo em que a “indignação” não era apenas uma música, era o grito da geração, a busca do verdadeiro mundo livre, da livre iniciativa, do maracatu, do punk rock, músicas racionais que marcavam sinais da evolução, eu sou do tempo que a música tocava no compasso do coração.

 

Eu sou de outro tempo, sou de outro milênio, e como prêmio eu cheguei até aqui, sobrevivi ao fim do mundo até chegar à internet. Sou do tempo das cartas, dos telegramas, fitas cassetes e melodramas, ainda lembro do Zeca Baleiro tocando o heavy metal do senhor, dos dias secos e molhados como grande novidade, e hoje rabiscando essas linhas saudosistas, eu envelheço na cidade.

 

Jose Fernando Pinto