Roberio Motta

Pisada

Pisada

 

Na pisada da vida

Da labuta espremida

Do teu nascido esquecido

Do passado antes adormecido

 

Lambuzado de tenro amor

Repetido feito lamento

Feito o cantar do quero-quero

A espantar a boiada sem temor

 

A ser oposto da estrada

Cantando longe do ninho

Afastando os incautos da dor

Sendo afago semblante do menino

 

É teu céu de viajante

Sem ver o véu que ficou distante

Suado e pálido de dor

Canta quero-quero

Na pisada do cantador

 

No teu pisado lento

Segue o jogo do passatempo

Feito vento desarmado

Desamado e aninhado em mim

 

No bater tenro das asas

Por um momento sem ponteiros

E cheio de cor

Bate-bate no peito a abrir

Doces penas do colibri

 

Estrada de curva e poeira

Gibão de couro suado de poesia

Estendido no corpo do seguir em frente

Da dádiva da vida de uma torrente

 

E quando este tempo lento se for

Feito o sol indo cansado se por

Faremos a releitura dos capítulos

Vividos inda vívidos no pensamento

 

Feito um eterno catavento

A soprar vento leve de paz

Com coragem de ser melhor que antes

Ser Quixote, ser menino, ser Cervantes

 

E ao chegar em casa

Encontra a sala pronta

Os santos abençoando no pequeno altar

E no canto uma rede para se deitar

 

Dois armadores sob poucas telhas

Paredes cheias de reboco e sonhos

Uma cadeira com o alforge de Caçador

E o menino de sorriso esquecido

Perto do veludo cão fuçador

 

Nordestino és muito com pouco

Carregas no teu Norte o prometeu

O segredo da vida e do jogo

Das cartas inversas nos versos dos cordéis 

O rio seco e cheio de sol

 

O meu frio é teu rio

O meu sol é o teu vou

E o que me prometeu

Fez-se segredo da vida

Fez fogo que já se apagou

 

E em teu rosto de dobras encardidas

É mais forte que tua dor

Guerreiro valente que ensina

Levando o lavar das almas dos teus

 

No teu pisado forte e de dor

É forte marca e deixa calo

Larga pisada pronada

Que espera no céu azul

A branca asa de alento

Trazida pela ave de arribação

 

Enquanto o cego de ódio vai

E o fundo açude hoje seco

O teu lodo se desprende

O teu tu não se prendes

É feito alma de coral

 

De canto vivo

De água viva onde d’antes

Existiam conchas adormecidas

Se que foram no colar do desalmado

No pravo pescoço do perverso

 

E de tanto do ir para se encontrar

Descer a mendigar distante

Ao encontro do abrigo sem querer

Fez nascer muito mais que sonhos

 

E no teu sorriso inda tristonho

De tanto ir e de tanto penar

Fez do teu soprar um titã

Que volta com a chuva ao teu lugar

 

E no retorno sem lamento

Sem mais a tristeza da partida

Volta de cabeça erguida

Apruma a pluma leve esquecida

 

O teu nó na garganta já desfeito

Ao beijar o teu amor antes distante

Encontrando os teus como antes

E a mesma rede estendida que espera

 

Sem demora sem vexame e sem agonia

Feito o abraço da paz no desavento

Feito lodo preso na mesma rocha

Feito flor que no campo desabrocha

 

Pleno feito luz de candieiro

Vendo teu mundo de volta

Do mesmo jeito que deixou

Sem lamento doce vento

Que fecha a porta com a batida

Do adeus de quem já chegou

 

Nordestino teu riso e teu penar

É mais forte que o teu caminhar

É Mestre Vitalino e o caboclo de lança

É bumba meu boi do Maranhão

 

É ser tão do Cariri de Aldemir Martins

Com suas pinturas e esculturas sem dor

É Travassus e suas mágicas mãos de argila

É Fidelis e sua Flor do Mamulengo

É mestre Noza com sua madeira esculpida

 

Nordeste o teu lamento

Nunca será esquecido

Nem tua arte e o teu cantar

Que faz do repente um hino de louvor

 

E a rabeca que chora a tua dor

A Sanfona de Luiz e do trovador

Os benditos para o céu de clamor

Faz de cada estado cifras e versos

 

E se a meu Padim eu peço

É porque meu sofrido Universo

É reflexo do meu caminhar

É fruto da benção e da dor

É um falar disperso

 

É canto de cerca

É mourão, é engenho

É algaroba, é Juazeiro

É menino que corre ligeiro

 

Nordestino tem sentimento

Tem a pena da Lira Nordestina

Que resiste e se reinventa

Nas capas de Stênio e Abraão

 

Na flauta doce da Solibel

No cuidar da arte da gravura

Na madeira e na tinta

José Lourenço com a xilogravura

 

E se teu chão antes rachado

Era choroso e esquecido

Hoje o teu pisado

É dança feito xaxado

 

Onde foi tédio e agruras

Faz nascer o sachar feito dança

Celebrando tuas façanhas

E o plantio do feijão de arranca

 

Tua fé sem cansaço

A tua criança no teu regaço

É espelho de tua vida

e traz a bravura do cangaço

Sina doce da batida esquecida.

 

Motta, Roberio

Soldadinho do Ara-Ari-Pe

Dezesseis de Cinco de Vinte e Um

Juazeiro do Norte, Estado de Graça do Cariri.