Pisada
Na pisada da vida
Da labuta espremida
Do teu nascido esquecido
Do passado antes adormecido
Lambuzado de tenro amor
Repetido feito lamento
Feito o cantar do quero-quero
A espantar a boiada sem temor
A ser oposto da estrada
Cantando longe do ninho
Afastando os incautos da dor
Sendo afago semblante do menino
É teu céu de viajante
Sem ver o véu que ficou distante
Suado e pálido de dor
Canta quero-quero
Na pisada do cantador
No teu pisado lento
Segue o jogo do passatempo
Feito vento desarmado
Desamado e aninhado em mim
No bater tenro das asas
Por um momento sem ponteiros
E cheio de cor
Bate-bate no peito a abrir
Doces penas do colibri
Estrada de curva e poeira
Gibão de couro suado de poesia
Estendido no corpo do seguir em frente
Da dádiva da vida de uma torrente
E quando este tempo lento se for
Feito o sol indo cansado se por
Faremos a releitura dos capítulos
Vividos inda vívidos no pensamento
Feito um eterno catavento
A soprar vento leve de paz
Com coragem de ser melhor que antes
Ser Quixote, ser menino, ser Cervantes
E ao chegar em casa
Encontra a sala pronta
Os santos abençoando no pequeno altar
E no canto uma rede para se deitar
Dois armadores sob poucas telhas
Paredes cheias de reboco e sonhos
Uma cadeira com o alforge de Caçador
E o menino de sorriso esquecido
Perto do veludo cão fuçador
Nordestino és muito com pouco
Carregas no teu Norte o prometeu
O segredo da vida e do jogo
Das cartas inversas nos versos dos cordéis
O rio seco e cheio de sol
O meu frio é teu rio
O meu sol é o teu vou
E o que me prometeu
Fez-se segredo da vida
Fez fogo que já se apagou
E em teu rosto de dobras encardidas
É mais forte que tua dor
Guerreiro valente que ensina
Levando o lavar das almas dos teus
No teu pisado forte e de dor
É forte marca e deixa calo
Larga pisada pronada
Que espera no céu azul
A branca asa de alento
Trazida pela ave de arribação
Enquanto o cego de ódio vai
E o fundo açude hoje seco
O teu lodo se desprende
O teu tu não se prendes
É feito alma de coral
De canto vivo
De água viva onde d’antes
Existiam conchas adormecidas
Se que foram no colar do desalmado
No pravo pescoço do perverso
E de tanto do ir para se encontrar
Descer a mendigar distante
Ao encontro do abrigo sem querer
Fez nascer muito mais que sonhos
E no teu sorriso inda tristonho
De tanto ir e de tanto penar
Fez do teu soprar um titã
Que volta com a chuva ao teu lugar
E no retorno sem lamento
Sem mais a tristeza da partida
Volta de cabeça erguida
Apruma a pluma leve esquecida
O teu nó na garganta já desfeito
Ao beijar o teu amor antes distante
Encontrando os teus como antes
E a mesma rede estendida que espera
Sem demora sem vexame e sem agonia
Feito o abraço da paz no desavento
Feito lodo preso na mesma rocha
Feito flor que no campo desabrocha
Pleno feito luz de candieiro
Vendo teu mundo de volta
Do mesmo jeito que deixou
Sem lamento doce vento
Que fecha a porta com a batida
Do adeus de quem já chegou
Nordestino teu riso e teu penar
É mais forte que o teu caminhar
É Mestre Vitalino e o caboclo de lança
É bumba meu boi do Maranhão
É ser tão do Cariri de Aldemir Martins
Com suas pinturas e esculturas sem dor
É Travassus e suas mágicas mãos de argila
É Fidelis e sua Flor do Mamulengo
É mestre Noza com sua madeira esculpida
Nordeste o teu lamento
Nunca será esquecido
Nem tua arte e o teu cantar
Que faz do repente um hino de louvor
E a rabeca que chora a tua dor
A Sanfona de Luiz e do trovador
Os benditos para o céu de clamor
Faz de cada estado cifras e versos
E se a meu Padim eu peço
É porque meu sofrido Universo
É reflexo do meu caminhar
É fruto da benção e da dor
É um falar disperso
É canto de cerca
É mourão, é engenho
É algaroba, é Juazeiro
É menino que corre ligeiro
Nordestino tem sentimento
Tem a pena da Lira Nordestina
Que resiste e se reinventa
Nas capas de Stênio e Abraão
Na flauta doce da Solibel
No cuidar da arte da gravura
Na madeira e na tinta
José Lourenço com a xilogravura
E se teu chão antes rachado
Era choroso e esquecido
Hoje o teu pisado
É dança feito xaxado
Onde foi tédio e agruras
Faz nascer o sachar feito dança
Celebrando tuas façanhas
E o plantio do feijão de arranca
Tua fé sem cansaço
A tua criança no teu regaço
É espelho de tua vida
e traz a bravura do cangaço
Sina doce da batida esquecida.
Motta, Roberio
Soldadinho do Ara-Ari-Pe
Dezesseis de Cinco de Vinte e Um
Juazeiro do Norte, Estado de Graça do Cariri.