Alexxandre Martins

AMOR CINEMATOGRÁFICO

Getúlio estava de pé em meio a multidão, assistindo à inauguração do Cine Bauru. O melhor e mais luxuoso cinema do interior do Estado de São Paulo, com capacidade para 1600 pessoas. Dia 26 de março de 1938, aquela data ficaria para sempre gravada em sua memória. Com 15 anos ele tinha um sonho peculiar, desde criança dizia a todos que iria trabalhar no cinema. Faziam graça, piadas, davam risadas do sonho daquele pobre menino. Pois, bem o tempo passou e ali estava ele, vendo o Prefeito da Cidade cortando a fita de inauguração e fazendo um longo e cansativo discurso vazio. O primeiro filme a ser exibido foi Ziegfeld - O Criador de Estrelas, ganhador do Oscar em 1937. A sala ficou tão lotada que Getúlio assistiu ao filme de pé. No outro dia lá estava ele, pedindo um emprego no cinema, conseguiu para fazer faxina nos intervalos das sessões. Para ele era o máximo dizer aos amigos com orgulho que trabalhava no Cine Bauru. Com um ano passou a recepcionista, mudou o uniforme e aumentou o orgulho, foram anos recepcionando toda categoria de público. Políticos, artistas, representantes da alta sociedade, todos conheciam Getúlio. Seu tempo era dividido entre os estudos e o trabalho. Não ia para outro lugar, sua paixão era estar ali no cinema, todos os outros funcionários o tinham em grande estima. 

Foi lá também que no ano de 1940 conheceu o amor da sua vida, Darcy Vargas, ela era linda, com olhos castanhos claros, cabelos pretos, 1,71 cm, foi amor a primeira vista. Foi com Dada, assim que ele começou a chama-la carinhosamente, que Getúlio fez seu primeiro passeio no jardim da cidade. De frente ao coreto da praça, aconteceu o primeiro beijo de ambos. O coração de Getúlio parecia ir sair pela boca, as pernas bambearam, depois timidamente pegou em sua mão e rodearam a praça Rui Barbosa umas 10 vezes. Tomaram sorvete, pois era uma linda noite de verão. A partir desse dia nunca mais se largaram, era como feijão com arroz, goiabada e queijo, formavam um belo casal, assim todos diziam, é, pois, Getúlio tinha lá seus encantos. Com 6 meses de namoro, ficaram noivos e os preparativos do casamento estavam a todo vapor. Tinham pressa, se amavam muito e como as famílias eram muito amigas, todos faziam gosto por aquela união. Darcy cursava magistério para ser professora primária. Como gostava de crianças, pensava que o curso combinava com suas pretensões.
Getúlio nos dias de folga ia pro cinema, aprender a fazer manutenção nos equipamentos de projeção e também como projecionar filmes. Aprendeu tudo rapidamente, pois gostava muito daquilo tudo. Um dia o projecionista faltou e o gerente do cinema pediu para Getúlio substituí-lo, pois era o único capacitado para tal função. Com orgulho e imensa felicidade, trabalhou direitinho aqueles 4 dias que o Sr. Amâncio ficou afastado. Depois Getúlio voltou para recepcionar com a sensação de dever cumprido. Com a proximidade do casamento e com as despesas aumentando, Getúlio pediu um aumento de salário, onde foi prontamente atendido, devido a sua enorme dedicação ao trabalho. 
O salário de professora era muito pouco e quando surgiu uma vaga na bilheteria, Getúlio não pensou duas vezes em indicar ao cargo Darcy. No começo foi difícil, pois nunca mexera com dinheiro, mas logo pegou o jeito. Agora a felicidade estava completa para Getúlio, pois ele via sua amada diariamente. Darcy era muito bonita e elegante e não passava despercebida aos olhares gulosos e indiscretos de certos clientes, e o pior é que ela estava gostando daqueles flertes. Antes discreta, olhar cabisbaixo e cara fechada, agora encarava os homens e distribuía sorrisos. Darcy deixou aflorar uma personalidade que nem ela conhecia, enquanto sentia culpa, sentia também prazer em flertar com os clientes. Não demorou muito para outro funcionário do cinema perceber esse lado obscuro da noiva do seu companheiro de trabalho. Carlos Lacerda passou a investir em Darcy que sempre se esquivava, mostrando seu anel de noivado. Um dia quando mais uma vez o projecionista faltou, Getúlio teve que fazer horas extras e Carlos Lacerda se ofereceu pra acompanhar Darcy até sua casa. Foi a oportunidade que ele precisava, para ficar a sós com a garota dos seus sonhos, Carlos foi bem direto e disse que a amava e a desejava mais do que tudo. Se beijaram loucamente e ele a levou para sua casa, Darcy perdeu a virgindade naquele dia. Desde então, passaram a ser amantes. Os encontros que eram semanais passaram a ser quase que diários. Getúlio vivia em seu mundo cinematográfico, sem perceber o que acontecia debaixo de seu nariz, se bem que alguns tentaram alerta-lo sobre uma suposta traição de Darcy, mas ele ignorava e não queria acreditar de jeito nenhum, repreendia veementemente dizendo que ela era uma moça de família. 
Getúlio passou então reparar no total desinteresse de Darcy pelos preparativos do casamento, antes ela que opinava em tudo, agora dizia, o que você escolher está bom. Estava obcecada, cega e perdida de amor por Carlos Lacerda, ao ponto de fazerem amor no banheiro do cinema em horário de expediente, durante a exibição de um filme. Nessa época Getúlio após recepcionar todos os clientes da sessão, corria para sala de projeção para aprender um pouco mais. 
Carlos Lacerda era um mulherengo inveterado, tendo sido casado inúmeras vezes, mas nunca no papel. Frequentava prostíbulos e botecos ordinários, tinha várias amantes por isso não ficava muito tempo casado. Mas com Darcy era diferente, pois ela era moça de família, noiva, professora e pervertida. 
Como eles moravam em uma cidade pequena, logo o boato correu solto na boca do povo, Getúlio era chamado de corno manso pelas costas. Ele bem que percebeu algo estranho, mas não queria acreditar e deu continuidade aos preparativos do casamento. 

Os encontros amorosos continuaram, até que um dia Darcy passou mal, teve ânsia de vômito e tonturas. Sua mãe, muito experiente,  desconfiou que algo estava errado. Dona Alzira era rigorosa e o fato de haver a possibilidade de Darcy ter se deitado com algum homem antes do casamento a horrorizava. Sentada de frente com sua filha, Dona Alzira questiona, pergunta, ameaça e em total desespero e irritação dá um forte tapa no rosto de Darcy, que com a força do impacto cai no chão. Chorando e pedindo pelo amor de Deus para sua mãe parar, ela confessa que perdeu a virgindade e poderia estar grávida. Nesse momento Sr. Antônio, o Pai da ex donzela escuta os gritos e entra no quarto, Dona Alzira transtornada grita que sua família foi desonrada, que Darcy agiu como uma prostituta. Sr Antônio um pouco mais calmo, pergunta se foi Getúlio que fez isso. Com medo ela diz que sim. Sr Antônio ficou louco de raiva e prometeu matar, esfolar, cortar em pedaços, xingava ele dos piores nomes possíveis. Não faz nada com ele Pai por favor, ao que respondeu, não me chama de Pai, sua vagabunda, biscate sem vergonha, você manchou o nome da nossa família. Mas isso não vai ficar assim dizia, vou lá no cinema agora mesmo tirar satisfação com aquele pilantra filho de uma égua. Com um revólver calibre 38 na cintura e chapéu na cabeça, ele se encaminha para porta, quando Darcy grita para o Pai. Espera tenho que dizer uma coisa, não foi com o Getúlio que eu perdi a virgindade, foi com outro homem. Dona Alzira não aguenta, e de tanta emoção desmaia, nesse momento Sr. Antônio agarra Darcy pelo pescoço e grita para ela falar o nome do safado, se não iria mata-la esganada. Os vizinhos ouviram os gritos, barulho de quebra quebra e chamaram a polícia. Carlos Lacerda que estava no boteco tomando umas cachaças, ouve meio por cima o acontecido na casa da família do Sr. Antônio. Malandro e vivido, liga uma coisa com a outra e percebe que a bomba ia estourar pro seu lado, vai para sua casa, faz uma trouxa de roupa e foge da cidade a cavalo e nunca mais se teve notícia do rapaz.
No sobrado Darcy confessa que seu amante é o Carlos Lacerda, o pipoqueiro do cinema. Sr. Antônio exige que a polícia prenda Carlos, sob a alegação de que sua filha de menor, foi seduzida e estuprada. Ao que Darcy disse na frente de todos, que não foi estupro, pois a meses estava tendo um caso as escondidas, dessa vez quem desmaiou diante dessa nova revelação foi o Pai. Traz um copo de água com açúcar gritavam. Getúlio é chamado no casarão e para surpresa de todos, diz que já sabia do adultério e que mesmo machucado, não pôs um ponto final na relação, por que amava muito Darcy. E ainda disse que se ela estivesse mesmo grávida, assumiria e registraria a criança em seu nome e iria se casar com ela. Fez um breve discurso, dizendo que se houvesse um real arrependimento da parte de Darcy, ele a perdoaria. A cereja do bolo, foi quando perguntou a todos que estavam ali, se alguém não tem pecados que atire a primeira pedra. 
Getúlio não estava preocupado com o que os outros iriam pensar, ele agiu com o coração e iria sim, dar uma nova oportunidade para sua amada 
E assim foi que no dia 4 de março de 1941 se casaram, a gravidez foi mesmo confirmada, e seis meses depois nasceu Lutero, o xodó de Getúlio. 
Os anos se passaram e o Cine Bauru foi posto a venda, seus proprietários iriam investir em plantação de café, foi aí que Sr. Antônio que possuía uma relativa condição financeira,  comprou o Cine Bauru e em agradecimento a tudo que Getúlio fez, passou o cinema em seu nome. O cinema passou por uma grande reforma bancada por Sr. Antônio, onde foram colocados novos projetores, cadeiras almofadadas, foi construído um estacionamento ao lado, o que era novidade para época. 
No dia da reinauguração, toda a elite bauruense e até o governador do Estado de São Paulo, Fernando Souza estava presente. Depois da sessão teve um baile de gala no Automóvel Clube de Bauru, onde Getúlio anunciou que teriam mais um filho e que o cine Bauru iria construir mais 2 salas de cinema na cidade, pois eram muitos os espectadores da sétima arte.
Getúlio e Darcy viveram felizes para sempre e ensinaram que todos merecem uma segunda chance, basta ter a coragem e a disposição em perdoar.