Maximiliano Skol

O GARÇOM E GHOST & RARE

Em S. Paulo, no Cibus Restaurante, depois de ser servido, o garçom lhe perguntou: “Posso me sentar ao lado?–Como não?–Eu o conheço de algum lugar. Ou foi num sonho que o senhor terá sido meu pai... Não sei... Esse sonho permaneceu em mim, tanto intenso como se o fora ontem, quanto vívida é a sua lembrança. Sileno, surpreso com tão insólito inportuno, retrucou:

–Esqueça, meu rapaz. Deve ser outro. Nunca fui pai de alguém. Como não me é lícito tirar uma vida pelo assassínio, renego-me o direito de procriar uma vida que não me concedeu licença para tal.

– Por isso mesmo é que eu me atrevo a falar-lhe desse sonho.  

–Quer saber de uma coisa? Traga-me a conta. Vou-me embora. O garçom obedeceu-lhe calado, embora, prestimoso. Sileno retirou-se do Restaurante, sem olhar para trás e rápido, no seu carro, como se a fugir de algo que temia. “Será que a mulher me trapaceou e não seguiu com o procedimento abortivo?” Ele tinha pago, antecipadamente,o ato cirúrgico...Contudo, por seu turno, nunca se certificou que o aborto estivera consumado. Por outro lado, também, a mulher nunca mais o vira... Voltou no dia seguinte para redimir-se do pensamento intruso, que o garçom intrometido lhe resgatou da memória. Acomodou-se no mesmo local da mesa e pensou:”sujeito atrevido querer ‘sentar-se ao meu lado’. Que lucro tem esse sujeito em simular retorno de um passado defunto?” Achegou-lhe o dono do Restaurante a servir-lhe.

– O garçom de ontem não está?

– Não, meu senhor.

– Algum motivo de saúde?

–Não sabemos coisa alguma desse jovem. Ofereceu-se pelo anúncio, na entrada, minutos antes de o senhor, aqui, chegar e demonstrou aparente experiência no trabalho. Aceitei-o. Estava desesperado por um auxiliar. O outro está de férias.

– Onde se encontra ele agora?

–Não sei, meu senhor.

–Não justificou o motivo da ausência?     

–Desapareceu sorrateiro num sumiço inexplicável, assim que o senhor retirou-se. Aliàs, o senhor teve o privilégio de ser o primeiro e o último freguês a quem ele prestou serviço.Acho que não se agradou do nosso ambiente. Pereceu-me muito tímido ao ponto de não ousar a dar satisfações pela sua saída. –Ele se me apresentou estranho de olhar pétreo e com gestos de movimentos como sob ação de zero gravidade. –Não deu tempo para lhe perceber essas coisas...Aqui o cardápio, esteja à vontade.

–Perdi o apetite...Prefiro uma dose dupla do seu melhor uísque. –Só me resta o Passport de versão brasileira. Não é de boa qualidade.

–Que pena! No momento o Ghost & Rare me seria o mais apropriado.–Ah, meu amigo, o único local onde se pode degustar, por enquanto, desse “Uísque Fantasma” seria no Bar do Cofre SubAstor, no Farol Santander, no centro da cidade.– Que venha o Passport, embora, todos nós teremos ‘o passaporte’ para algum lugar em outra dimensão, contudo,o seu regresso é o que eu estou temendo.

– Mais outra dose?

–Pensando bem, quero retirar-me e beber o Ghost & Rare no Farol Santander.

–Que não lhe falte o Uísque Fantasma, meu senhor. –Que não me venha um garçom fantasma, isto sim.

–O mundo surreal pertence aos mortos, meu prezado, e àqueles que se embriagam além de uma saudade  ou de um remorso.

Uma batida extra, do coração do Sileno, sacudiu-lhe o tórax provocando- lhe um surto de tosse como se a exorcizar a afirmação do homem que lhe veio num feitio de uma sentença.  

Desgraça, resmungou, quero o Farol Santander.

No painel do carro, eram  22 horas.