Tales Vieira

Catarse Intima (Capitulo II)

Você não consegue ouvir? Tente. Pare por apenas um segundo. Não olhe ao seu redor. Foque na parede da cozinha. Ela está ouvindo The Band ou é apenas a sua mente recordando de épocas passadas? Você não consegue respirar corretamente. Levantar dessa cadeira é o suficiente para que o seu coração dispare. Do que adianta fechar as janelas se o som abafado dos carros e das pessoas escandalosas continuam ecoando dentro do seu quarto? Perda de tempo. Perda de dinheiro. Perda de sanidade. Perda de vida. Calor. Nunca esteve tão quente. Vai ficar pior. É assim. Não há o que fazer. Não te resta nada além de esperar. Pelo quê? Pela morte? Pela dor ao bater com o joelho no armário da sala? Pelo sofrimento? Pela angústia? Pela palavra engasgada? Já não sei mais. Nunca soube. É um mistério. Talvez apenas um deles. Há muitos por aí. Basta olhar ao redor e prestar atenção nas coisas. Nos objetos. Calor. Muito abafado. Falta de ar. Gritos de socorro. Não há ninguém para te socorrer. Tem um cachorro do teu lado. De que adianta? Ele só sabe latir. E comer. E brincar. Ele não sabe como socorrer ninguém. Pode  tentar. Não vai conseguir. A maioria das pessoas não consegue. Tem um abismo entre nós dois. Nossos olhos se encontram da mesma forma que se despedem. Teu corpo penetra nas águas do mar de Ipanema. Tua pele pálida fica rosada como a tua boceta, seios e como o teu biquini. Pausa.

 

Há algo de errado. Duas portas estão abertas. Ouvi apenas uma delas se fechar. Teus olhos vedados. Consigo sentir o gosto dos teus lábios. E a espessura. Encosto uma das mãos na tua boceta. Precisamos de mais espaço. Para respirar, talvez. Quente. Ainda mais quente. Comprimida pela sua calça. O mesmo gosto de sempre. Uso a lingua e os dedos. Ambos estão molhados. O gato salta aterrisando no telhado. Não ouço os prantos de socorro do rato. Ele acaba de ser devorado. Outra pausa. Pouco tempo para pensar. Respiração ofegante. Existência apressada. Passa em uma corrida só. Você acaba de gozar. Fios de cabelo grudados na tua testa. É por causado suor. É a primeira vez que te vejo de cabelos soltos, nua e ofegante deitada na cama. Talvez esteja com medo da exposição à paixão. Não me surpreende, pois não passa de outro cão farejador esperando a sua presa. Não há igrejas abertas. Apenas uma luz acesa. À cada ventania ela ameaça apagar. Você não percebe a escuridão à espreita. Ela aguarda o momento para se aproximar. Se apodera do ambiente. Minhas mãos e os meus labios se apoderam do teu corpo. O cão farejador permanece em repouso. Penetro apenas na tua boceta. Ambos nos acostumamos com a sua ausência. Não passa de um intruso na maior parte do tempo. Melhor deixá-lo adormecido, inquieto. Teu cheiro no teu sutiã. Na tua calcinha. Teu corpo despejado na cama. Em contraste com o quarto imerso na escuridão. Nenhuma luz. Porta trancada. Teus seios rosados arrepiados. Outro adeus. Enfim, solidão.

 

Respiração acelerada. Coração batendo violentamente. Não conseguimos evitar constantes trocas de olhares. Você inventou uma imagem moldada pelas tuas fantasias. Eu inventei uma imagem tua moldada pelas minhas fantasias. Há um espelho de vidro entre nós dois. Você parou do meu lado. Segurei a tua mão. Cruzamos os dedos. Acariciei o teu pulso. Desviei o meu olhar. Encontrei os teus olhos e os teus cílios. Teus lábios escondidos por uma máscara. Recuamos imediatamente voltando à olhar para frente. Não conseguíamos enxergar nada. Dialogávamos silenciosamente há meses. Por quê? Nada mais importa quando você não consegue respirar da forma correta. Qualquer movimento brusco te posiciona à beira do desmaio.

 

Teu hálito de whisky. Teu andar alcoolizado. Tua voz rouca. Teu cheiro único. Teu corpo nu. Luz. O sol iluminando o teu rosto. O cansaço te movimentando pela casa. Dor. Observo a tua bunda enquanto permaneço deitado imóvel na cama. Preservativos espalhados pelo chão. Eles te fazem rir. Você apoia o rosto em uma das mãos. Massageia um dos seios. Puxa o bico com os dedos. Levanto. Beijo a tua boca te segurando pelo pescoço com uma das mãos. Com a outra massageio o teu seio arrepiado. Te coloco na cama. Xingo a tua mãe. Te chamo de vadia. Piranha. Vagabunda. Puta. Mordo o teu pescoço. Mordo a tua bunda. Mordo tuas coxas e pernas. Me questiono se as tuas costas estão ardendo com essas marcas avermelhadas. Tua bocetinha encharcada. Sem pelos. A tua gozada.

 

Escuro. Acordei de madrugada para pensar. E te observar. Mergulhamos na intimidade. Outra onda despejada na areia. O farol ilumina a pedra do Arpoador. Teus olhos fechados. A rua deserta. Teu corpo imóvel. Nem tão escuro agora. Um pouco mais claro. O cachorro desperta. Você segurou o meu pulso. E recuou em um movimento brusco. Não fiz nada. Apenas te observei. A porta trancada. O ar abafado. Agora nem tanto. Garrafas vazias da noite anterior espalhadas pelo teu apartamento. O desejo se acumula. Uma hora transborda. Então você abre a porta e diz entra. Entra, fica à vontade. Aí a porta se fecha. Você se aproxima. As luzes se apagam. Os cães se calam. Os gatos escapam pela janela. E o coração acelera. O ciclista desaparece com o vento. A cidade amanhece torta. E incompleta. Você entra no banheiro. Troca de roupa. Me espera parada em frente à cama. Levanto. Nos abraçamos. Você acaricia o meu cabelo bagunçado. Escorrega pela minha barba por fazer. Sente o teu próprio cheiro no meu corpo. Muito mais claro. Três portas abertas. Você não sabe o que dizer em seguida. E não sabe que os teus olhos expressam aquilo que você não diz. Então nos despedimos.